Nativos Analógicos – os desafios do Marketing Digital

Um possível consumidor na casa dos 50 e poucos anos, para na porta do recém inaugurado negócio de sorvete tailandês, curioso em saber o que aquele “tipo novo” de sorvete tem de diferente em relação aos tipos que ele já conhece.

Após uma breve explicação do funcionário que o abordou, o senhor pergunta: “Você tem um folhetinho pra eu levar?”.

O atendente de 20 e poucos anos, sorridente responde com toda naturalidade: “Não, mas o senhor pode acessar nosso Instagram ou Facebook e estamos também no iFood. Lá vai encontrar muita informação

Com voz e expressão que combinam frustração e decepção, o senhor responde: “Mas eu não tenho nada disso! Como eu faço?”.

O silêncio constrangedor, a ausência de uma resposta e a feição do jovem, pareciam dizer: “Como não? Quem não tem Insta ou Face?

Essa hipotética situação está bem longe de ser apenas ficção e revela como as empresas no mundo digital têm tratado os nativos analógicos e até alguns digitais.

Quem são os nativos analógicos?

Costuma-se classificar de nativo analógico, aquele nascido até 1979 e, portanto, em uma época em que a tecnologia começava a entrar de modo ainda tímido no quotidiano das pessoas.

Exceto talvez para os millenials mais velhos, é difícil para o outro grupo, representado pelos nativos digitais (geração Y ou “millennials”, geração Z e posteriores), imaginar um mundo em que o papel dominava, quase tudo só acontecia em modo presencial, não havia Internet ou e-mail, muito menos as redes sociais.

É complicado porque eles não viveram uma época em que manter-se informado sobre o que acontecia no Brasil ou no mundo, exigia passar na banca de jornal no caminho para o trabalho ou ligar o rádio do carro e sintonizar em uma estação de notícias.

E só no final do dia, ao chegar em casa, ligar a televisão para assistir o telejornal, para então saber o que havia acontecido desde a leitura do jornal impresso pela manhã.

Também não sabem o que é máquina de escrever, fax, xerox, rolo de filme para máquina fotográfica e revelação de fotografia, fita K7, disco de vinil, ou vídeo cassete.

Podem imaginar vagamente e dar risada do quão complicado era fazer uma pesquisa de preços, batendo perna por horas em lojas de rua ou na melhor das hipóteses, em um shopping center.

Compras? Só indo de loja em loja, para verificar se havia o produto desejado em estoque. Se não houvesse, ou partia-se para outra loja, ou contentava-se com uma alternativa concorrente.

Falar com alguém a distância, só se ambos tivessem um telefone fixo, o que muitas vezes excluía os menos abastados financeiramente, já que houve um tempo em que o valor de uma linha telefônica equivalia a um carro zero quilômetro, o que também não era acessível à maioria.

Se a necessidade fosse se comunicar com uma empresa, pior ainda. Era necessária a consulta a uma imensa e pesada lista telefônica classificada e tentar vários dos telefones que frequentemente constavam nela.

Aliás muitos perguntarão, o que é telefone fixo, linha telefônica e lista telefônica?

Claro que alguns desses nativos analógicos não pararam no tempo e por opção ou por obrigação, tornaram-se os hoje chamados de imigrantes digitais e que nada mais são dos que nasceram e cresceram em um ambiente marcado pelo analógico, mas que diante da transformação digital, aderiram – com sucesso ou não – ao ambiente digital.

Por que são importantes os nativos analógicos?

Porque segundo os dados do IBGE, eles representam cerca de 38% da população!

Estatisticamente, quase 4 entre cada 10 brasileiros pertencem ao grupo dos nativos analógicos. Mas não são quatro quaisquer. São adultos que decidem onde gastam seu dinheiro e que precisam vestir, comer, entreter-se, viajar e mais um monte de outras situações comerciais, nas quais estão envolvidos tanto quanto os nativos digitais.

Soma-se a isso o fato de que entre os nativos digitais, há uma parcela importante que não é economicamente ativa, o que implica dizer que não têm poder de decisão nas compras. São no máximo influenciadores no processo de compra.

Entretanto, o que se vê em muitas empresas, é que suas estratégias de Marketing e Vendas, consideram apenas os nativos digitais e esquecem do enorme contingente dos analógicos.

Tal qual na situação que descrevemos no início desse bate-papo, o cenário pode ser ainda pior, quando baseiam-se na errada premissa de que todo mundo está nas redes sociais.

Estatísticas e pesquisas não faltam para demonstrar por números, que mesmo entre os nativos digitais, nem todos estão nas mídias sociais e daqueles que estão, apenas 27,5% têm motivações comerciais.

Mais ainda, 23% dos usuários de redes sociais entre 16 e 64 anos, seguem perfis de empresas / marcas que eles compram, o que por complemento, indica que 77% não segue nenhuma. Mais de 10 milhões não acessa nenhuma rede social e metade de toda a população brasileira, não está no Instagram.

O desafio do Marketing Digital com os nativos analógicos

Uma vez que já temos uma noção calcada em números do cenário do ambiente digital e das mídias sociais, é hora de considerarmos o trabalho do Marketing Digital diante desse quadro.

Tem sido cada vez mais comum, tanto em termos práticos, ao se observar a atuação das empresas que agem de modo similar ao diálogo inicial, como em termos teóricos, nos muitos conteúdos disponíveis, em que o foco das atenções é prioritariamente os nativos digitais, literalmente desconsiderando – como se não existissem – o filão dos consumidores constituídos antes do surgimento e popularização da Internet.

Ou nos casos igualmente preocupantes, nos quais até os consideram, mas que não usam uma abordagem e enfoque, uma linguagem e um tratamento condizente com as características dessa parcela do mercado consumidor.

Consideremos um casal na faixa dos 30 e poucos anos de idade e duas filhas de 3 e 5 anos, que se mude do Brasil para os EUA.

Precisarão aprender o novo idioma. Adaptar-se aos costumes, hábitos e à cultura. Há ainda a alimentação. Para não falar dos vizinhos, colegas de trabalho e ausência ou pouca quantidade brasileiros na cidade em questão. Os lugares, os caminhos são novos e até as informações para se chegar neles, são em uma língua a qual não se domina.

No entanto, no caso das crianças, a coisa toda tende ser diferente. Em pouco tempo provavelmente falarão melhor o inglês do que o português e se comunicarão com mais fluência e naturalidade que seus pais. O contato e a convivência com outras crianças nativas, fará com que se adaptem sem dificuldade aos costumes e até à cultura local.

O normal para elas – as meninas – será aquilo tudo que veem no ambiente em que estão crescendo e se desenvolvendo. Que não é o mesmo em que seus pais viveram.

E tanto maior será a dificuldade, quanto maiores forem as diferenças. Imagine que em vez dos EUA, a mudança fosse para um país do Oriente Médio, em que há mais diferenças ainda e mais marcantes.

Vemos isso, aqui mesmo no Brasil, que recebeu correntes migratórias do mundo todo e os pioneiros mantiveram muitos dos seus costumes e alguns mesmo após décadas, nem bem falavam o português.

Analogamente, o Marketing Digital encontra desafio semelhante relativamente aos nativos analógicos.

O Marketing Digital e os nativos analógicos

Devidamente conscientizados das barreiras que encontraremos pelo caminho, resta-nos ver o que precisa ser feito para superá-las.

Por isso, vamos tratar dos pontos mais cruciais, lembrando que da mesma forma que a nossa suposta família de mudança para o exterior, cada uma tem reações particulares, tem mais ou menos dificuldades, leva mais ou menos tempo para se adaptar – ou nem se adaptar – e que podem – e devem – existir fatores extras.

A prática geralmente apresenta variáveis não inicialmente consideradas, portanto, o que teremos a seguir, não é uma receita completa e para todos os casos, mas é um importante ponto de partida.

Tempo vs Mudança

Qualquer mudança que se queira produzir no caso dos nativos analógicos, é duplamente influenciada pelo tempo.

A primeira influência, é que levará mais tempo para produzir mudanças, quanto mais tempo o indivíduo viveu no ambiente analógico. Inversamente, lembre-se das crianças. Quanto mais novas elas tenham se mudado, mais facilmente se adaptarão

A segunda, é que o tempo necessário para iniciar o processo, também é maior.

Significa dizer que quando o nativo analógico se depara com uma novidade, leva mais tempo para ser “convencido” e aderir e quando o faz, precisa mais tempo para dominá-la.

Esse tempo bem maior em vários casos, em parte justifica porque muitas empresas simplesmente abdicam de se dedicarem aos indivíduos que cresceram no ambiente analógico – os resultados levam muito mais tempo para aparecer.

Soma-se a isso, outro fator – o imediatismo.

No tempo do digital, as coisas acontecem agora. Se no passado as campanhas de Marketing tradicional transcorriam ao longo de meses, hoje a unidade de tempo é dias, às vezes horas. Tão logo se inicia, já se tem métricas e conclusões delas.

Esperar os analógicos aparecerem nas estatísticas, dá a sensação de que eles simplesmente nunca aparecerão. Ledo engano!

Parte dos motivos desse movimento mais lento, vem da próxima variável

Confiança e segurança

Confiança e segurança, referem-se respectivamente a confiança dos clientes nas empresas, nas marcas, nos produtos e serviços e segurança de estarem fazendo da forma certa, ou seja, sentirem-se seguros e confiantes para fazer.

Confiança é algo que assim como a variável anterior, vem com o tempo. Conquista-se por meio de um amplo conjunto de ações e posturas da empresa, como transparência, ética, respeito ao cliente, honestidade em relação às promessas, qualidade do produto / serviço, relacionamento, etc.

Devemos lembrar que o nativo analógico cresceu acostumado com experiências reais e altamente sensoriais. Ele entrava nas lojas, observava o espaço, os detalhes da infraestrutura física, a disposição dos produtos, recebia o atendimento presencial dos funcionários (olho no olho), podia pegar, manusear, cheirar e até provar o que pretendia comprar.

No digital, tudo depende de um site. Muitas vezes, ele nunca terá a chance de passar nem na porta da empresa por trás de tudo aquilo que ele vê em uma tela, plana (2D), fria. É outra experiência bem diferente daquela que ele se acostumou.

E se já não fosse o bastante, a nossa família de mudança para os EUA, nos primeiros dias, ou semanas, quem sabe até nos primeiros meses, fará muitas coisas sem saber se está fazendo do jeito certo. Portanto, com receio, medo até de errar e das consequências que podem produzir, tal como as tão faladas ameaças do mundo digital.

Do ponto de vista de um site e o respectivo serviço associado, significa torná-lo simples, intuitivo, prático. Mas também fornecer suporte, responder dúvidas frequentes (FAQ) e municiá-lo de vários canais de atendimento (chat, help desk, e-mail, telefone, etc).

Das mesmas pesquisas que apontam o quanto são esquecidos os consumidores analógicos, há dados que mostram que em sua maioria, estão dispostos a serem imigrantes digitais, ou seja, aprenderem no seu tempo e ao seu modo, como usufruírem desse mundo novo.

Nativos analógicos não são alienados da Internet

Essa é uma consequência direta do último parágrafo.

Os cerca de 81 milhões de brasileiros que representam os nativos analógicos, somados aos outros tantos que não estão em nenhuma rede social e a quase metade (48,6%) que está apenas para ter contato com amigos e parentes, ainda pesquisam sobre produtos, marcas e empresas no Google e no Microsoft Bing, compram coisas em sites de e-commerce e consomem conteúdos diversos em blogs e outros tipos de sites.

Esse mundo de gente, não está absolutamente fora da Internet. Apenas é um internauta que tem particularidades comportamentais diferentes de muitos nativos digitais.

Identificar esses hábitos, esse comportamento, requer pesquisa e método.

Não dá para simplesmente tirar conclusões sobre esse público a partir das diversas métricas produzidas, quando a persona que as empresas têm mirado, não o inclui.

A linguagem dos nativos analógicos

Os que nasceram fora desse mundo digital ou que não viveram a transformação digital quando ainda jovens, como foi o caso dos primeiros millenials, por mais que tenham se tornado os hoje chamados imigrantes digitais, sofrem com ruídos nessa nova comunicação e na linguagem que é usada.

Fazer o upload ou simplesmente “upar” a foto para a cloud do Xptowyz, é um estrangeirismo e um neologismo que podem ser tão incompreensíveis para um representante da geração baby boomer ou mesmo da X, quanto as gírias que estes usavam nos anos 70, para um jovem alfa.

Esse é um típico ruído na comunicação, mas não para por aí.

Ler determinados conteúdos de blogs – alguns até de influenciadores populares – ou postagens nas redes sociais, é muito mais do que simplesmente ver alguém derrapando no português ao criar conteúdo. Há verdadeiros shows de horrores.

Quando não, em nome das técnicas de SEO e do bom posicionamento orgânico, vemos conteúdos sem estilo, sem alma, sem vida, chatos e algumas vezes parecem mera “encheção de linguiça”.

Esse parece portanto, um dos maiores desafios do Marketing Digital – comunicar-se de modo eficaz com muitos, com diferentes, com pessoas e até com robôs.

O mérito do bom comunicador, é se fazer compreender por quem quer que componha sua audiência. Pelo PhD e por quem tem apenas o ensino básico, pelo banqueiro e pelo operário, pelo cristão e pelo ateu, pela criança e pelo idoso e no nosso caso, pelo nativo digital, mas também pelo analógico!

Conclusão

Incluir os nativos analógicos nas estratégias de Marketing Digital, amplia significativamente os resultados, bem como o universo de consumidores potenciais.

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