O que é exclusão digital e quais suas consequências para as empresas?
Há certas verdades que estão mais para meia verdades ou falsas crenças e que enquanto têm esse status de verdades, podem ter consequências negativas para muitos de nós. Entre aquelas que muitos creem, a que vivemos um momento de inclusão digital de toda a sociedade, é uma que tem uma faceta negativa importante.
Para quem nunca parou para pensar a respeito ou deu a devida importância, pode ser mais uma questão de opção dos excluídos ou ainda um problema menor. Mas não é.
O que veremos aqui e hoje, é o que é a exclusão digital, o que há por detrás dela, os impactos ou consequências, inclusive para empresas e qual o papel delas na mudança do cenário.
O que é exclusão digital?
Para não ser demasiadamente simplista e apenas dizer que é o contingente de pessoas que não estão presentes no cenário de inclusão digital, a exclusão digital é o fenômeno que afeta uma parcela da população que por diferentes motivos, está à margem das tecnologias que dão acesso ao universo online e os meios digitais, mais caracteristicamente, a Internet.
Essa é uma definição típica, mas que não explica algumas coisas e não esclarece outras. Por isso e como costumamos fazer, vamos um pouco além.
O primeiro passo no entendimento da exclusão digital, é justamente nos certificarmos que temos plena ciência do seu oposto – a inclusão digital.
Pare e pense por alguns segundos se você é capaz de dar uma resposta, curta, objetiva e acima de tudo, compreensível e esclarecedora a qualquer pessoa que lhe perguntar: “O que é inclusão digital?”.
A nossa possível resposta, é: “o processo no qual é garantido acesso às tecnologias que favorecem o acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, ao lazer e a tudo que atualmente ocorre no ambiente digital e que tem na Internet o principal cenário para acontecer”.
É poder dispor de tudo o que é exigido para informar-se sobre qualquer assunto que se quiser ou precisar, para falar com outras pessoas, para manifestar suas ideias e sentimentos, desempenhar as atividades que são exigidas na empresa em que trabalha, para diversão ou só passar o tempo, ou até mesmo para exercer os direitos como cidadão (voto, acesso à saúde e edução, transporte, etc).
Sim, usufruir por direito das políticas públicas em todos os níveis – federal, estadual e municipal – cada vez mais exige que o indivíduo tenha acesso aos meios digitais, como por exemplo, na pandemia do coronavírus, em que os cidadãos que tinham direito ao auxílio emergencial, só conseguiam ter acesso a esse benefício por meio da Internet, seja porque dependiam de um aplicativo, seja porque também dependiam do acesso propriamente dito, seja porque requeria-se o conhecimento para usá-lo e ainda uma conta bancária digital.
Isso tudo em um país em que 29% da população tem “dificuldades para interpretar e aplicar textos e realizar operações matemáticas simples”, o que caracteriza analfabetismo funcional.
O processo, por mais que em certa medida justifica-se como mais prático, rápido e menos burocrático, excluiu vários, justamente em uma camada da população em que estavam ao mesmo tempo os que mais precisavam e em que existia o maior número de excluídos digitais.
É difícil para quem tem todos o meios necessários e ainda mais quando não se conhece a realidade de parcela importante dos cidadãos. Mas fica mais fácil compreender quando se olha para os chamados tipos de exclusão digital.
Exclusão digital instrumental
Chama-se de exclusão digital instrumental, porque os instrumentos aos usuários e que são os dispositivos necessários ao acesso e que são o smartphone, o tablet, o notebook ou o desktop, não estão disponíveis.
Por mais que pareça que todo mundo pode ter até mesmo um smartphone dos mais simples que lhe permita o acesso, é importante lembrar que há quem não tenha nem mesmo garantido um prato de comida e até muitos dos que têm, têm outras prioridades básicas que precisam ser atendidas primeiramente.
Exclusão digital infraestrutural
Define-se exclusão digital infraestrutural quando mesmo havendo os instrumentos para dela participar, falta a infraestrutura necessária para acesso à Internet.
Ela é principalmente caracterizada por regiões mais afastadas e áreas rurais. Apesar dos números indicarem – como no caso da pesquisa TIC Domicílios – que 70% da população rural já tem acesso à Internet, é também neste contingente da população que ainda há elevados índices de analfabetismo funcional.
Soma-se a isso o fato de que quanto mais remota a região e menor a densidade demográfica, maior o custo de infraestrutura por parte das empresas que provêm o acesso, o qual se reflete em maior preço cobrado pelo mesmo acesso e que muitas vezes recai no terceiro tipo…
Exclusão digital econômica ou financeira
O indivíduo está em uma condição de exclusão digital econômica ou financeira, quando ele não tem condições de pagar pelo acesso ou serviço de Internet.
Pode ser em decorrência do tipo anterior, mas acontece também nas maiores regiões metropolitanas do país, com mais oferta, concorrência e menores preços, nas camadas mais pobres da população.
E mais uma vez por conta da pandemia, que ficou evidenciada a exclusão decorrente desse tipo, quando muitas crianças não puderam assistir aulas remotamente, por simples falta de uma conexão de razoável qualidade. Nos casos mais extremos, afetadas pelos três primeiros tipos, ou seja, não dispunham de instrumentos, nem de infraestrutura, nem condições econômicas para o acesso.
Mas ainda há um quarto tipo…
Exclusão digital de conhecimento ou cognitiva
É a exclusão digital que acontece em função da falta de conhecimento ou do aprendizado (cognição) para fazer uso da Internet. Aqui é importante relembrar o número do analfabetismo funcional.
Mas não são apenas os que não tiveram acesso à boa formação escolar os afetados. A mesma pesquisa TIC Domícilios, também revela que acima dos 60 anos, apenas metade da população tem alguma forma de acesso à Internet e que são indivíduos que não vivenciaram a transformação digital em seu auge e agora têm fatores que tornam sua inclusão mais difícil.
O que há por trás da exclusão digital?
Se já não tivéssemos informações suficientes, ainda é importante fornecer outros dados e informações sobre o ambiente nacional de inclusão dos cidadãos no ambiente digital.
Se por um lado em 2020 cerca de 4 brasileiros em cada 5 estão conectados, o número não reflete em termos precisos o que isso significa.
Ocorre que fatores como velocidade de conexão com a Internet e qualidade dessa conexão, os dispositivos usados e quantos indivíduos dentro desse domicílio tem o conhecimento necessário para fazer um uso amplo, as pesquisas não revelam.
Mas revelam que nas classes mais pobres (classes D e E), 2 entre cada 3 (67%) tem algum nível de acesso e que nessa faixa, a quase totalidade (90%) o faz exclusivamente por meio do celular. O mesmo número para a classe A, mostra que 11% usa apenas o celular.
Quando se vai mais a fundo, vê-se que boa parte desses acessos nas classes D e E, ocorrem para envio de mensagens (93%), chamadas de voz (80%) e redes sociais (72%). Os índices começam a cair de modo relevante para ações que representam cursos a distância ou EaD, atividades profissionais, pesquisas escolares e outras ações que implicam em valor agregado ao uso da rede mundial de computadores.
É um uso superficial e que ajuda a criar a ilusão de que todos estão na Internet. Mas não estão! Porque ela não se restringe às redes sociais e nem aos aplicativos de mensagens. Você que tem a chance de acompanhar blogs, comprar nos sites de e-commerce, ver vídeos, participar de treinamentos ou de um webinar, de fóruns de discussão ou até faz sua pós-graduação em um ambiente EaD, sabe do que estamos falando.
Mas para quem nunca viveu nada disso, o parágrafo acima é grego!
Do ponto de vista da infraestrutura, também há dados importantes que devem ser considerados. É por exemplo, o caso da implantação do 5G, que segundo o que está previsto no edital do leilão das faixas de frequência, as regiões hoje com mais carência e que eventualmente teriam uma alternativa para sanar o problema de infraestrutura, serão as últimas a serem atendidas.
Como no citado exemplo do auxílio emergencial, cada vez mais órgãos públicos e também empresas, eliminam pessoas e processos presenciais, substituindo-os algumas vezes de modo exclusivo, por correspondentes digitais, simplesmente desconsiderando que ainda há um número expressivo de cidadãos que não tem as mínimas condições para participarem. É a chamada exclusão institucional.
Os excluídos digitais, são as novas vítimas de discriminação social, afinal não ter um perfil e não participar de uma rede social, não ter uma conta – ou muitas – de e-mail, um Whats, não seguir um influenciador digital, não conhecer os blogs e os canais do YouTube e sabe-se lá mais o que, é motivo de ser visto negativamente.
Por fim, mas não menos importante, os números também reforçam que os mais vulneráveis, também serão os mais afetados na busca por melhor qualificação – já que essa é também uma área que vem abandonando o modelo presencial – e na superação dessa forma de exclusão que não é só digital, mas com importante impacto social e econômico.
Quais as consequências da exclusão digital para empresas?
Depois de tudo o que discutimos – e não foi tudo – a respeito, já não deveria ser necessário falar sobre. Mas há aspectos que não são tão evidentes e por isso, vamos além.
Muito se fala em presença digital e o quanto ela é importante para o sucesso dos negócios. Mas pouco se fala a respeito do que as empresas precisam fazer para atingir esse público que está sendo alijado do mundo digital.
Você empresário ou mesmo o gestor que tem o poder de decidir como e onde estar presente online, muitas vezes fecha muitas portas, primeiro ao supor que todo mundo está nas redes sociais e mais uma vez, quando crê que a inclusão digital é um movimento democrático, ou seja, é para todos.
E não estamos falando apenas dos consumidores para os quais você deixou de existir, porque você só está fazendo Marketing Digital e pensa que o tradicional não importa mais.
Esse processo que coloca tantas pessoas à margem do mundo online, tem outros impactos negativos para as empresas:
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Menor mercado – esse é o primeiro, mais imediato e já mencionado. Ao privilegiar e em alguns casos migrar quase que totalmente para o ambiente digital suas ações, deixa-se de atender uma parcela de possíveis clientes que dele não participam;
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Concorrência mais acirrada – além de deixar de atender muitos consumidores, o menor número que é disputado e que é representado pelos incluídos digitais, torna a disputa entre os concorrentes, mais acirrada;
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Elitização – a elitização se dá tanto porque predominam os usuários de maior renda, maior escolaridade, como porque boa parte do trabalho de Marketing de Conteúdo acaba por segregar também o público. Lembra do analfabetismo funcional? Para quantos destes a mensagem será compreensível?;
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Imagem – o processo de construção de imagem e da marca (branding) se não fica prejudicado, fica incompleto. Pelos mesmos motivos, todos os que estão fora do ambiente digital, estão imunes às ações desenvolvidas visando a construção da marca;
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Comunicação e informação – muitas das informações mais importantes da empresa estão apenas onde um percentual importante dos possíveis clientes, não têm acesso, bem como os canais de comunicação e atendimento presencial ou mesmo por meio telefônico, tem perdido cada vez mais espaço em detrimento dos canais online de atendimento;
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Mão de obra – vimos que parte das consequências da exclusão, impactam no desenvolvimento humano e profissional e que em termos práticos significa mão de obra menos qualificada. Cada vez mais exige-se em diferentes áreas, profissionais que dominem as novas tecnologias de comunicação e informação, o que vai na contramão dos excluídos. Assim, um ambiente em que eles são muitos, maior dificuldade e tempo para contratar a pessoa certa;
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Produtividade – em muitos setores a carência de mão de obra qualificada tem feito com que as empresas contratem mesmo sem que os candidatos apresentem os requisitos mínimos. As consequências vêm na menor produtividade, na necessidade da empresa de prover capacitação posterior;
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Retrabalho – outro fator decorrente desse fenômeno, é que as atividades que exigem maior conhecimento de ambiente digital para serem executadas, tendem a não serem feitas de modo eficiente e eficaz, resultando em retrabalho;
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Turnover ou rotatividade – consequência imediata dos três tópicos imediatamente acima, quando com o ganho de experiência, treinamento e alguma dose de paciência, não bastam, há o desligamento do colaborador e a necessidade de reposição por outro, aumentando a rotatividade ou turnover;
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Qualidade de vida no trabalho – até mesmo a qualidade de vida no trabalho (QVT) pode não ser plena ou tão boa quanto as políticas da empresa propiciariam, se eventualmente o colaborador for um excluído. Imagine um benefício que para ser usufruído, requer que o funcionário acesse a intranet;
Ou seja, o fenômeno não apenas afeta aquele que é excluído. Aqui falamos de algumas consequências comuns para as empresas, no entanto, vão além. Mas isso é outro bate-papo.
O que a empresa pode fazer para diminuir a exclusão digital?
Antes de responder a pergunta, possivelmente você que tem em mãos a possibilidade de fazer algo, esteja se perguntando se não é papel do Estado instituir políticas públicas eficazes e responsabilizar-se por produzir os resultados necessários.
Sim, é.
Mas a justificativa para não lavar as mãos, é igualmente simples – pelo mesmo conjunto de razões que as empresas decidem desenvolver ações de responsabilidade social.
Afinal o cerne da questão é social e o abismo social existente no país, aprofunda o problema.
Portanto, as empresas que podem, devem instituir ações visando o futuro, já que os resultados não são imediatos, como não são quaisquer nessa área.
A inclusão digital e tudo o que ela significa, deixou de ser uma questão de opção e passou a ser uma necessidade como várias outras, como saúde, educação, segurança, etc.
Apoiar ONGs, participar e patrocinar projetos do terceiro setor, criar seus próprios ou começar pequeno, dando condições para seus próprios colaboradores que integram o grupo dos excluídos, mudem sua realidade, ou ainda empregar um para que ele tenha por meio de sua própria renda, condições de deixar as estatísticas, são exemplos do que pode ser feito.
No fim, além de cobrar o Estado por suas responsabilidades, cabe também às empresas fazer o que puderem para tornar o ambiente do qual elas fazem parte, melhor.
Conclusão
Exclusão digital é o fenômeno que deixa de fora do ambiente digital uma parte importante da população, com consequências negativas também para as empresas.