O que é a ditadura das big techs em nossa vida?
Você já parou para pensar o quanto há de influências externas, seja diretamente, seja indiretamente, em tudo o que fazemos e como a nossa vida é afetada por elas?
Estamos falando das chamadas “Big Techs” e o poder que elas têm de interferir no nosso modo de vida, nas escolhas que fazemos e até no nosso futuro, em várias esferas.
Hoje iremos abordar o poder que eles concentram, como o exercem e as suas consequências.
O que são big techs?
Não existe uma definição formal sobre o termo big tech, mas que normalmente é a referência para as grandes empresas que têm atuação na área de tecnologia, mais especificamente a indústria de hardware, software e Internet e produtos / serviços a ela relacionados.
Sim, porque contrariamente ao uso que se convencionou fazer do termo, a tecnologia não se limita às áreas acima.
Há quem classifique uma empresa como big tech, àquelas que atuam nas áreas citadas, com presença global e elevado faturamento. Quase que invariavelmente, começaram como pequenas startups, criando serviços inovadores, em alguns casos disruptivos, muitas delas localizadas na região conhecida como Vale do Silício e que atualmente têm um market share bastante desequilibrado em seu favor, ou com participação decisiva.
Mas há muitos que restringem a um seleto grupo de cinco empresas, também chamadas de as “big five”, por ser composto por cinco empresas:
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Alphabet – nada mais é do que a holding que administra o universo de serviços do Google;
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Meta – tal como a anterior, é a empresa que abraça Facebook, Instragram, WhatsApp e demais produtos / serviços;
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Microsoft – a conhecida responsável pelo Windows, Office e vários outros softwares, mas também serviços em nuvem;
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Apple – a teórica alternativa e “concorrente” à Microsoft, por também oferecer softwares, serviços, mas também hardware;
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Amazon – a gigante que se consolidou e cresceu na Internet por meio do e-commerce, atualmente também fornece uma gama de serviços em nuvem e até algum hardware.
Apesar da influência decisiva que essas cinco empresas têm, como veremos, há outras empresas que interferem de modo importante no mercado, por meio de sua atuação e por isso, as considerações do presente conteúdo não se resumem apenas às cinco.
A participação das big techs na nossa vida
Retornando ao começo, bem diferente do que era algumas décadas atrás, em que uma infinidade de empresas e marcas estavam presentes nas mais diversas situações da nossa vida, ao observarmos um dia típico de qualquer um de nós, o que veremos é a presença quase completa de várias delas.
Tudo começa na hora em que você acorda, não mais com um despertador, mas com o alarme do seu smartphone, que pode ser um iPhone, mas tem grandes chances de ser um Samsung, rodando um Android.
Há muitos que assim que conseguem colocar os neurônios para funcionar, vão dar uma passada em suas redes sociais para ver as eventuais curtidas e comentários recebidos nas mais recentes postagens, bem como ver o que há de novo daqueles que fazem parte da sua rede.
No caminho para o trabalho, de novo o smartphone é acompanhante durante quase todo o trajeto, seja agora com maior interação novamente nas redes sociais, seja consumindo algum conteúdo do Spotify, do YouTube, ou do TikTok. Em alguns casos, vendo as notícias e conteúdos sugeridos pelo Google Discover, com base em dados coletados pela gigante das buscas durante sua navegação e acessos anteriores.
Já no trabalho, é bem provável que o notebook ou desktop tenham o sistema operacional mais usado no mundo da Microsoft, como também se utilize a suíte de escritório e uma conta de e-mail gratuita – ou mesmo paga – da mesma empresa, ou quando muito, uma do Gmail.
Na rotina de trabalho, o WhatsApp ganhou espaço, assim como o Zoom, o Slack, o Skype e outros menores e/ou não tão populares.
A depender da sua rotina, pode ser que use um popular CRM, uma plataforma de gerenciamento de projetos, um CMS com o WordPress, caso você tenha um site e quase certamente, um navegador Web para acesso a diferentes serviços em nuvem e para a intranet da empresa, ou para sistemas de fornecedores e parceiros e sabe-se lá mais o que.
Na volta pra casa, o app de mapas ajuda a escolher o caminho menos congestionado pelo trânsito, ou quem sabe um outro para pedir um motorista de aplicativo ou ainda para checar seus créditos para o transporte público. Sem contar que o uso do smartphone, deve se repetir de modo semelhante à ida na parte da manhã.
Já no lar e depois da janta, um pouco de Netflix ou Amazon Prime Video para relaxar, um pouco mais de redes sociais e quem sabe dar alguns comandos que a Alexa pode ajudar ou quem sabe comprar algumas coisas necessárias na Amazon, que só por coincidência é a mesma empresa.
E se sobrar um tempinho antes de dormir, um pouco de “jogatina”, em alguma plataforma de alguma gigante dos games, ou no Playstation ou no Xbox.
Mesmo que você não tenha se identificado 100% e existam algumas variações, ou até muitas, nesse cenário, que apesar de hipotético, tenha a certeza que ele representa o quotidiano de muitos de nós.
No entanto, o problema não é ter uma rotina caracterizada por esses comportamentos, mas a lista das empresas por trás disso tudo. Experimente fazê-la e verá quais são elas e quantas vezes elas participaram.
Talvez haja alguma intrusa, mas a maioria esmagadora são big techs e prevalecem as cinco maiores.
A influência das big techs na nossa vida
A questão central aqui, não é a participação das big techs, mas a influência que elas exercem em nossa vida.
Como empresas de tecnologia, é normal. Afinal essa é uma das funções centrais da tecnologia – prover soluções melhores e mais fáceis para nossos problemas.
Os algoritmos das ferramentas só têm um objetivo, fazer você interagir. Manipulam nosso cérebro, com base em comportamentos que temos na Internet e que a Inteligência Artificial e o Machine Learning são capazes de entender e a partir daí, são estimulados a serem repetidos.
Como cobaias reagindo, somos impelidos a comentar, compartilhar, dar ou solicitar curtidas, colecionar mais seguidores e seguir mais gente e sermos dependentes do que elas oferecem, tudo em ciclos sem fim.
Acha exagero?
Seu aniversário está chegando e você decide que vai a um restaurante com a família para comemorar. Mas quer ir a um lugar novo, que ainda não experimentou.
Como a maioria faria, vai para a frente do notebook ou pega o smartphone e pesquisa, comida italiana – que você adora – no bairro X, o qual é razoavelmente perto da sua casa e que você sabe que é recheado de opções.
E entre vários sites, aparecerão o que se conhece por resultados da busca local, com o nome do estabelecimento, a distância em quilômetros, uma avaliação de 1 a 5 estrelas, horário de funcionamento, fotos e se você quiser e tocar / clicar em algum, uma nova página com muito mais informação será exibida.
Que ótimo! Tem avaliações e comentários, até com fotos do lugar, de quem esteve lá.
Escolha feita, experiência consumada e chegou a vez de você dar também a sua contribuição, coisa que o Google estimula, a cada lugar que você vai, fazendo várias perguntas e frequentemente informando que suas avaliações são um sucesso, que suas fotos tiveram 4982 visualizações e até pedindo para você completar seu cadastro e com isso receber recompensas.
Ou quem sabe, completar a sua timeline com aqueles lugares que ele não foi capaz de identificar.
Privacidade? Nem pensar. Todavia, não é problema. Na ótica defendida, não é invasão, porque segundo ele, não compartilhará com ninguém. Só serve para lhe oferecer produtos e serviços mais personalizados!
Nesse ponto, você passou a fazer parte do sistema! Dificilmente será possível dar um passo atrás.
Quais os problemas da grande influência das big techs?
Se ainda não ficou claro, sem medo de cometer exagero, essa influência é tão decisiva, que configura-se no que chamamos de ditadura das big techs!
É ditadura, porque tudo o que as outras empresas fazem e não está de acordo com o modelo vigente e “imposto” pelas grandes, automaticamente não é aceito / assimilado pelo mercado. É como se houvesse a imposição de um padrão, o qual é determinado pelas políticas das dominantes.
Seja no combate atroz contra qualquer possível concorrência que comece a aparecer, quando elas simplesmente compram e sufocam as iniciativas ou agem fazendo dumping, seja de forma mais sutil, por meio de pesado Marketing e publicidade.
Basta ver o comportamento dos consumidores no lançamento de alguns de seus produtos e que é resultado de um conjunto de ações que visam tornar aquele produto, “indispensável”.
As gigantescas filas que se formam para adquirir e tão logo quanto possível, postar nas redes sociais que você é o mais novo proprietário do recém-lançado Xpto XXVIII, aos módicos R$ 10.999,99 na versão mais top, com certeza será motivo de muitos likes.
E não para por aí…
Oligopólios e monopólios
Esse tipo de comportamento do consumidor, é nocivo para ele próprio, já que não é preciso ser especialista no assunto, para saber que quanto maior a concorrência, mais ganham os clientes.
Exceto pelas marcas chinesas que têm ganho algum espaço, você já observou quantas marcas de celulares que existiam no mercado há 10 anos e hoje não existem mais? Inclusive a mais antiga delas, foi comprada por uma das cinco grandes para logo depois, sair do mercado.
Ao concentrar suas escolhas apenas em duas ou três marcas, o consumidor simplesmente acaba com as alternativas para ele próprio. Ele está lentamente decretando o fim da concorrência.
Quando isso não bastar, o poder econômico dará jeito. As Big Five, somaram juntas quase US$ 900 bilhões em receitas em 2019, valor maior do que o PIB de muitos países, alguns inclusive pertencentes ao G20 e metade do PIB do Brasil naquele ano.
Quando o monopólio é em âmbito local, ou seja, ocorre só em um país, legislação e órgãos de fiscalização e controle, podem constituir meios de proteção a livre concorrência. Porém, quando ocorre internacionalmente, isso não basta e é ineficiente.
Privacidade
Aqui na verdade, é a falta de privacidade, mesmo a despeito da LGPD no Brasil e da GDPR, na comunidade europeia, que visam proteger os dados pessoais dos usuários.
Mesmo com a criação e o endurecimento de legislação específica, a privacidade e o sigilo das informações pessoais, é uma questão que parece sem solução e que aparece como importante fundamento do futuro da Internet.
Algumas vezes as políticas das empresas parecem se sobrepor até mesmo às leis locais de cada país em que atuam.
Economia
Os impactos e influência na economia, também se fazem sentir, seja no momento mais recente e com as ondas de demissões de dezenas de milhares de colaboradores e que até ensejaram o fim das redes sociais, seja nas tentativas de criar e controlar uma economia digital, como por exemplo, com os NFTs (Tokens Não-Fungíveis) ou então os sistemas de pagamentos, como o WhatsApp Pay para facilitar as transações comerciais online por meio de blockchain.
Aos poucos, alguns têm aderido até mesmo às instituições tradicionais, como a Amazon que em parceria com o Goldman Sachs, oferece linhas de crédito.
Mas há outros tipos de desdobramentos econômicos. Um exemplo conhecido, é o segmento de livrarias, cuja “vítima” mais ilustre, foi a Livraria Saraiva e que apesar dos problemas próprios, foi engolida pelo monopólio da Amazon. Fenômeno parecido ocorreu em vários países.
Sem contar o que não é aparente em primeira análise, como a indústria de software e que basicamente tem que concentrar-se nos sistemas operacionais de Microsoft (Windows), Google (Android e Chrome OS) e Apple (MacOS e iOS). Nessa inglória batalha, as distribuições Linux correm por fora, mesmo estando muitas vezes mais alinhadas com as necessidades e desejos dos usuários.
Por fim, mas não menos importante, as grandes empresas de tecnologia têm acesso a um enorme volume de dados gerados pelos usuários, que para além do já mencionado problema de privacidade, dão enorme poder nos mercados digitais em que atuam, lembrando que vivemos em uma economia em que a informação tem valor ímpar.
Se não fosse pouco, ainda é preciso lembrar das questões de segurança que essa informação está associada e que no caso de vazamento, os quais vêm sendo frequentes, traz sérias implicações também de cunho financeiro aos usuários.
Liberdade
Quando se fala em ditadura, imediatamente vem à mente tudo o que se perde e a liberdade encabeça a lista.
A liberdade de escolha é afetada pela constituição de oligopólios, às vezes de monopólios.
Somos de fato livres para optar entre múltiplas alternativas? Ou somos direta ou indiretamente impelidos a adotar as poucas opções que nos são apresentadas?
Voltemos ao exemplo do aparelho celular, um item quase indispensável hoje em dia. Quantas marcas temos? Quantas opões de sistemas operacionais? E se você quiser apenas um celular, como era no princípio? Talvez você ache algum, mas certamente será visto como estranho, muito estranho! Sem redes sociais? Sem serviços de streaming? Jogos? Você deve ser um alienígena!
As mesmas limitações estão presentes em vários outros produtos e serviços e que nos leva a deduzir, que assim como é em uma ditadura, elas – as big techs – dão as regras, gostando você ou não, querendo ou não.
Conclusão
A ditadura das big techs caracteriza-se como as práticas e políticas que dão a um reduzido grupo de empresas, poder de decisão e influência em muitas áreas.