Que lições de administração aprender com o Oriente?
Já não é de hoje que os produtos produzidos e vindos de países do Oriente ganharam o mundo, sejam os mais simples, sejam os mais sofisticados e a depender das marcas por detrás deles, uma série de percepções positivas estão associadas.
Mas nem sempre foi assim.
A verdade é que uma sucessão de fatos históricos, foi responsável por uma série de mudanças, algumas das quais carregam aprendizados que podem ser aplicados em nossas empresas, rendendo resultados bastante positivos.
Sendo assim, no conteúdo de hoje, abordaremos algumas dessas lições de administração que podem ajudar a transformar o seu negócio.
Os fatos históricos que transformaram a indústria do Oriente
Muita gente não gosta de História por achar que é preciso decorar muitas datas, nomes, lugares e acontecimentos. No entanto, conhecer e entender os fatos associados, ajuda-nos a compreender o presente e até tentar prever ou antecipar o futuro.
O grande marco e o ator que protagonizou o conjunto de mudanças responsáveis pelo que é hoje a indústria de alguns países orientais e a fama associada aos seus produtos, foram a Segunda Guerra Mundial e o Japão, respectivamente.
O Japão – e todos os países orientais – do pré-guerra, era um país que em muitos aspectos parecia parado no tempo.
Pouco industrializado, com métodos produtivos ultrapassados e os poucos utilizados, eram copiados dos EUA, além de uma série de características que faziam com que seus produtos fossem caros, sem qualidade e muitas vezes cópias de produtos ocidentais.
Todavia, no pós-guerra (década de 50), os engenheiros japoneses Taiichi Ohno e Eiji Toyoda – primo de um dos fundadores da Toyota e posteriormente presidente da empresa – foram conhecer as fábricas da Ford nos Estados Unidos para aprender sobre seu modelo e que foi a base de muitos princípios da indústria moderna e que são praticados até hoje, mas que segundo os engenheiros, estavam ultrapassados e precisavam ser modificados.
Mas é preciso lembrar que com o fim da Segunda Guerra, o país estava no caos, mesmo a despeito da colaboração dos Estados Unidos, por meio de assistência política e financeira para a sua reconstrução, bem como forte intervenção do próprio Estado japonês em apoio à indústria local.
A infraestrutura de muitas áreas estava devastada e a economia japonesa em completa crise, com a inflação altíssima e fora de controle, a tal ponto que determinados produtos de uso básico e alimentos, só podiam ser adquiridos no mercado negro e, portanto, a preços exorbitantes.
Nesse cenário, não era possível fazer como as indústrias americanas – e no mundo todo praticamente – nas quais eram produzidas peças em alta escala, para um único modelo de carro, visando a conhecida economia de escala, mas que por outro lado resultava em grandes estoques parados e muito desperdício.
A “missão” dos engenheiros, era encontrar soluções para isso e daí nasceu o que hoje é conhecido como Lean Manufacturing.
O que é Lean Manufacturing (Produção Enxuta)
Lean Manufacturing ou Produção Enxuta como costuma ser chamado no Brasil, foi a resposta dos engenheiros Ohno e Toyoda ao que viram nas fábricas da Ford em sua visita aos Estados Unidos.
Para sermos precisos, o sistema Lean – como também é referenciado – originalmente foi chamado de Toyota Production System ou por sua sigla, TPS e só algum tempo mais tarde quando começou a produzir os resultados pretendidos e passou a ser estudado e implantado por outras indústrias, recebeu o nome pelo qual se tornou popular.
Primariamente e em termos práticos, o que se pretendia era fabricar os automóveis comprados sob encomenda pelos futuros clientes, do modo mais eficiente e rápido que fosse possível e que eles não tivessem que esperar.
Note que diferente do modelo até então praticado pela Ford e por quase todas as indústrias de quaisquer coisas, fabricavam-se grandes quantidades de um produto, a fim de diminuir o custo de produção. Porém isso tem suas consequências, sendo as principais as seguintes:
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Grandes estoques;
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Alocação de recursos diversos (maquinário, mão de obra, matérias-primas, energia, etc) para produzir um único item;
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Decorrente da produção em larga escala e da alocação de recursos, havia pouca variedade de produtos.
Inclusive brinca-se com a frase supostamente atribuída a Henry Ford, fundador do sistema Ford de produção e naturalmente da empresa que carrega seu nome, segundo a qual o cliente “pode comprar um Ford modelo T em qualquer cor que desejar, desde que seja preto” e que ilustra bem a questão acima.
Esse modelo de negócio da Ford – e da maioria das empresas ocidentais – é também conhecido como produção empurrada, a qual é estabelecida de acordo com estimativas e depois é preciso “empurrar” a produção para o mercado e que se reflete em ações de Marketing e Publicidade, Vendas, promoções e esforços de toda a cadeia comercial participante, tentando fazer com o que o cliente compre.
Os efeitos práticos são muitos, sendo que os principais são grandes estoques dos revendedores e insatisfações diversas dos consumidores quanto à qualidade comprometida pela larga escala produtiva.
Embora a prática fosse um pouco diferente, os problemas dos sistemas fabris existiam e precisavam ser corrigidos e deles nasceram os dois primeiros conceitos – Jidoka (automação com toque humano) e JIT (Just-in-Time).
Gradualmente e ao longo de anos, vários outros conceitos foram implementados, como o Kaizen (pequenas melhorias contínuas e sucessivas), Kanban (cartão ou ficha), redução de custos, agilidade na produção e melhorias no ambiente de trabalho e todas essas questões abordaremos em detalhes logo a seguir.
O que é Just-In-Time?
Possivelmente de todos os conceitos criados ou implantados no sistema Lean, o mais conhecido e mais adotado mundo afora, seja o Just-In-Time ou apenas JIT e cuja tradução ajude a compreender – na hora certa.
Transportado para a realidade das fábricas, significa que as matérias-primas – ou no caso, os componentes dos automóveis – eram entregues para o uso apenas de acordo com a necessidade de uso e com isso, não era mais necessário manter estoques de peças.
E isso tinha uma série de outras implicações:
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Diminuía-se drasticamente o custo que gera ter que manter uma área de estoque;
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Não é mais necessário todo o pessoal e tempo para administrar esse estoque;
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Alguns processos administrativos também deixam de existir e outros são substituídos por outros mais eficientes;
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Menores lotes de produtos, tendem a conter menores lotes também de produtos defeituosos e suas consequências, que é um produto final com problemas.
Embora já tenha sido um grande avanço comparado com os paradigmas anteriores – e que ainda existem em muitas áreas – da necessidade de trabalhar com estocagem, o Just-In-Time por si só, não fazia tudo, mas uma vez combinado com os demais conceitos, produzia ainda outras vantagens.
No Brasil, entre os cases de sucesso que fizeram uso do JIT, possivelmente o mais popular tenha sido a fábrica da Fiat em Betim, município pertencente à região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais.
A adoção do JIT nessa fábrica e que é considerada a maior da montadora da marca fora da Itália e uma das maiores e mais modernas do mundo, fez com que uma série de fornecedores da empresa se instalassem próximas, de forma a entregarem componentes à medida que fosse necessário.
A marca começou a colher os frutos disso, tanto os benefícios acima mencionados, como outros, como menores custos decorrentes de transportes e a logística associada.
Vale notar, que o Just-In-Time é parte dessa mudança de paradigma anteriormente citada, já que em vez de “produção empurrada”, agora a empresa produz de acordo com a demanda efetiva, tornando-se “produção puxada”. Eu produzo conforme o cliente compra de mim.
O que é Kaizen?
Se não foi a Toyota quem criou o Kaizen, foi do seu uso sistemático em muitos processos – fabris e administrativos – que certamente veio importante contribuição para sua popularização.
Também elaborado na década de 50, por Masaaki Imai, a palavra vem do japonês, e significa “mudança para melhor”. E era um dos objetivos que se buscava no fabricante de automóveis naquela época.
Mais especificamente o Kaizen parte do pressuposto que as pessoas podem melhorar continuamente no desenvolvimento de suas atividades e isso que a Toyota perseguiu, ou seja, instituir pequenas melhorias contínuas e permanentes.
Dessa forma, muitos dos problemas observados nas indústrias naquela época, foram aos poucos sendo solucionados em etapas sucessivas de melhorias, como o desperdício, por exemplo.
Outro componente essencial do Kaizen está implícito em “pequenas melhorias”.
Contrariamente às grandes mudanças e inovações, que exigem geralmente grandes investimentos e também produzem impactos e resistências, afinal é da natureza humana resistir ao novo e desconhecido, especialmente se as mudanças são grandes, ao instituir poucas e pequenas mudanças, todas as barreiras eventualmente existentes, serão mais fáceis de transpor.
Logo se percebeu que a filosofia Kaizen poderia – e deveria – estar presente em todas as áreas da empresa, em todos os processos e até nas pessoas.
Kaizen hoje é aplicável em uma série de situações e talvez você até já o utilize e nem sabe. Um PDCA, pode ser um típico ciclo Kaizen. Há Kaizen em Vendas e há também como instrumento para redução da perda de clientes e até em áreas esportivas.
O que é Jidoka?
Outro dos pilares da transformação ocorrida dentro da fábrica, é o conceito por trás de Jidoka e que da mesma forma que outros termos de origem japonesa, não tem um sinônimo literal, mas cuja significação mais aproximada, seria automação com influência humana.
Parte-se do princípio que a linha de produção precisa de fluidez, tanto garantida pelo Just-In-Time, quanto necessária para reduzir custos e desperdício, como também ter velocidade para entregar o produto final ao consumidor no prazo (Takt Time), mas sobretudo, com qualidade.
Para assegurar a qualidade, assim que um eventual problema, uma alteração na qualidade ou quem sabe um defeito, são identificados, desencadeia uma sequência de ações:
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Pessoas são encarregadas de checar e descobrir anormalidades ou não conformidades no processo produtivo;
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A identificação ou descoberta da anormalidade, produz imediata interrupção do respectivo processo;
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É iniciado um processo de investigação do problema identificado e sua respectiva causa;
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Criação e adoção de medida corretiva na origem ou na raiz do problema, de forma que ele não se repita.
Pode parecer básico e intuitivo que seja assim, afinal essa sistemática hoje está presente em muitas organizações. Mas não era assim antes!
O Jidoka foi concebido por Sakichi Toyoda e que mais tarde se tornaria o fundador da Toyota Motor Company.
O que é retrabalho?
Outra constatação verificada na época, foi do retrabalho e que resumidamente é ter que repetir alguma ação ou trabalhar novamente em algo que deveria ter produzido um resultado esperado, mas não produziu. Em outras palavras, é algo que não foi bem feito e precisou ser refeito.
O retrabalho pode estar associado a várias causas, como por exemplo, procedimentos operacionais padrão inadequados ou obsoletos ou até mesmo ausência deles, falta de treinamentos aplicado às pessoas envolvidas, falhas de comunicação, entre outras possíveis origens.
Além de ser natural e aceitável o retrabalho nas fábricas da Ford na época, ela era causa de aumento de custos, da má qualidade, além de obstáculo ao fluxo produtivo eficiente e por isso foi combatido de muitas formas, inclusive pela implantação do Jidoka.
O que é Kanban?
Talvez você não conheça um dos métodos mais populares e que assim como muitos, ganhou espaço em fábricas no mundo todo, mas possivelmente já tenha se utilizado de sua versão digital, se já usou uma ferramenta de gestão de projetos.
Sim, muitos – senão todos os principais – sistemas de administração de projetos usam de alguma forma o conceito.
Ao sinalizar etapas ou atividades dentro de um projeto, com status em execução ou finalizado, por exemplo, bem como associar com etiquetas com cores, está se usando uma sistemática que nasceu no Kanban.
Kanban é um método de gestão de fluxo de trabalho que fazia parte do sistema Lean em sua criação, cujo objetivo era definir, gerenciar e melhorar etapas do trabalho.
Do japonês, kanban é literalmente traduzido como cartão.
Resumidamente um quadro com cartões que continham informações de etapas de vários processos, permitiam acompanhar a execução de cada uma, já que o posicionamento de cada cartão nas diferentes colunas existentes no quadro em que eram fixados, indicava a sua ordem no fluxo de trabalho.
A indústria de software utiliza amplamente – exceto que em versão digital – os princípios do Kanban nas etapas que compõem o desenvolvimento dos seus produtos.
O que é Filosofia 5S?
Tão resumido e direto como pode ser, a Filosofia 5S tem como objetivo a busca pela qualidade total.
Denomina-se 5Ss, porque apoia-se em cinco palavras japonesas que iniciam-se pela letra “S”:
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Seiri (utilização) – no local de trabalho devem ser mantidos apenas os recursos / ferramentas que serão utilizados para sua realização;
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Seiton (organização) – os locais e os espaços nos quais cada recurso necessário para a produção, devem ser devidamente organizados com base na definição do melhor lugar, que deve ser identificado e devidamente sinalizado;
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Seiso (limpeza) – além do “seiton” (acima), o armazenamento e identificação de possíveis problemas com os recursos usados na produção, é mais fácil e rápido se a área está limpa;
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Seiketsu (saúde e higiene) – deve-se prezar pela saúde dos colaboradores e que tem relação com questões de higiene do ambiente, para que tenham condições melhores de produtividade;
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Shitsuke (autodisciplina) – estabelece que deve haver disciplina pessoal dos colaboradores com o cumprimento dos padrões éticos, morais e técnicos, definidos pelo programa 5S e que constitui a última etapa da filosofia.
Novamente são questões que parecem óbvias e cuja adoção deve ser simples.
No entanto, mesmo em pleno século XXI, ainda há muitas fábricas nas quais nada disso é feito. Não há seiso (limpeza) e nem seiton (organização) e até é possível ouvir a justificativa de que é da natureza do negócio e não há como manter uma fábrica assim.
“Ou se trabalha e se produz, ou se “perde tempo” limpando e organizando tudo”, vão dizer alguns.
Será mesmo?
Vê-se exatamente o oposto em muitas das fábricas japonesas e principalmente naquela que iniciou esse movimento.
O que é Qualidade de Vida no Trabalho?
O nosso último conceito aqui discutido, mas que não encerra o universo deles na indústria japonesa, é também hoje praticado por muitos que enxergam seus benefícios.
Em meio a frequentes notícias de trabalho análogo à escravidão ou mesmo de condições no mínimo questionáveis em tantas outras empresas, algumas até renomadas, o que pode parecer uma obviedade para a maioria, lamentavelmente está longe da realidade de muitos ainda.
A importância que a qualidade de vida no trabalho (QVT) foi percebida naquela época (estamos na década de 50, lembra?) como essencial para que atingissem os objetivos pretendidos de produção eficaz, com qualidade, de forma rápida e que satisfizesse os consumidores.
Um colaborador que passa um grande número de horas do seu tempo na empresa e que é responsável por cada produto que dela saí, quanto melhor estiver, melhor tenderá a desempenhar.
Hoje, sabe-se que entre os muitos possíveis benefícios de perseguir melhores níveis da qualidade de vida no trabalho, estão:
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Maior comprometimento e motivação;
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Aumento da produtividade e consequentemente os lucros também;
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Comunicação empresarial mais eficiente;
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Diminuição no absenteísmo;
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Redução de problemas da não qualidade de produtos e serviços;
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Melhora no relacionamento e no atendimento de clientes finais e mesmo com os clientes internos;
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Clima organizacional mais positivo;
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Queda nos custos decorrentes de faltas, ações trabalhistas e necessidade constante de recrutamento de novos colaboradores;
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As pessoas tendem a apresentar mais soluções do que problemas;
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Redução do turnover ou rotatividade de funcionários;
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Menor pressão e cobranças, pois o engajamento ocorre naturalmente e os prazos costumam ser cumpridos com maior facilidade.
Foi nas empresas japonesas que se viu – até com algum espanto – pela primeira vez, jornadas de trabalho que só eram iniciadas após os funcionários se reunirem para exercícios visando não só seu bem-estar físico, como para diminuir os possíveis efeitos que sua atividade proporcionam.
Para a maioria delas, o colaborador é dos seus principais patrimônios!
Conclusão
Métodos, conceitos e filosofias nascidos no Japão dos anos 50, mantém-se atuais e ainda podem produzir excelentes resultados nas empresas do século XXI.