A privacidade na Internet é real ou virtual?

No mundo real, as pessoas fazem reuniões a portas fechadas, contam coisas apenas aos mais confiáveis e melhores amigos, sempre pedindo segredo, guardam com cuidado extremo determinadas informações em papel, tudo em nome da segurança, do sigilo e da privacidade.

Mas e no mundo digital?

Com certeza mesmo que se pretenda o mesmo, a situação pode ser bem diferente.

O sigilo, a privacidade e a segurança de muitas informações relacionadas a nós, praticamente não existem.

Vamos falar e refletir a respeito?

O que é privacidade?

Para muita gente, parece uma pergunta desnecessária ou apenas retórica. Mas é importante pensar a respeito, antes de tratarmos da questão da privacidade no mundo digital.

Caso você tenha a curiosidade de pesquisar em um dicionário o significado de privado, encontrará que é um adjetivo para qualificar o que não é público, ou o que é particular de uma entidade ou pessoa, ou também das coisas que dizem respeito à intimidade de um indivíduo e quem sabe ainda, das situações confidenciais, sigilosas ou secretas.

Seja qual a explicação você tenha preferência, todas elas significam que privacidade é garantir a você a decisão sobre o que terceiros podem saber a seu respeito.

Isso é um direito garantido em âmbito constitucional e que consta do artigo 5º da Constituição Federal, o qual assegura que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Ou também garantido também pelo art. 21 do Código Civil, no trecho em que consta que “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.

Mas a garantia da privacidade é um entendimento internacional, tanto que a GDPR (General Data Protection Regulation) ou Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados e que tem por objetivo, tratar sobre privacidade e proteção de dados pessoais, aplicável a todos os indivíduos na União Europeia e Espaço Econômico Europeu.

Decorrente da GDPR, temos a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e que tem finalidade semelhante, mas aplicável para os cidadãos brasileiros.

Por fim, a Lei Nº 12.965, também conhecida como Marco Civil da Internet, estipula entre outras coisas, a proteção da privacidade como um dos princípios para o uso da Internet no país.

A privacidade e a Internet

No começo da popularização da Internet, não era assim. Pelo menos não tanto como é hoje.

Embora os primeiros sites que já eram capazes de atrair grande quantidade de visitantes, rapidamente começaram a utilizar recursos para tentar conhecer melhor seus visitantes, foi somente com o avanço da publicidade online que o interesse por dados mais específicos da audiência começaram a ser obtidos, armazenados e utilizados.

Lá nos idos dos anos 2000, muito do que os sites coletavam, estava relacionado ao endereço IP e que não constitui ameaça a privacidade ou a segurança dos usuários. Basicamente usavam o IP para determinar a quantidade de visitantes únicos, a origem e a quantidade dos acessos feitos, entre outras métricas que o sistema de estatísticas disponibilizado pelo serviço de hospedagem de sites, usualmente já fornecia.

O Google Analytics só seria lançado no final de 2005 e ainda levaria algum tempo até se tornar o que é hoje.

Mas a medida em que a publicidade online começou a crescer e os modelos de comercialização e inserção nos sites como forma de monetização tornaram-se mais e mais populares, as empresas por trás do então emergente mercado, perceberam que poderiam usar os cookies como forma de rastrear os usuários e obter informações sobre seus hábitos de navegação, para então poderem direcionar melhor a publicidade exibida.

Empresas como DoubleClick – comprada em 2008 pelo Google por US$ 3,1 bilhões – rapidamente se destacaram, sendo um referencial da evolução e do potencial do mercado de publicidade digital, baseado na rastreabilidade dos internautas. Foi dado o primeiro e principal passo para colocar em ameaça a privacidade dos usuários.

O já mencionado cookie, nada mais é do que um arquivo de texto e que primariamente deveria facilitar a navegação, na medida em que ele contém informações, como por exemplo, as credenciais de login ao serviço contido no site e por isso, você não precisa informar usuário e senha todas as vezes que acessa sua conta de e-mail, ou uma rede social, a não ser que você tenha efetuado a limpeza do cache do seu navegador web entre uma visita e a outra ou tenha expirado o tempo de validade determinado pelo site / serviço que você acessou.

Em outras palavras, um cookie é como uma credencial que o site grava no seu disco rígido e que permite que ele se “lembre” de você e das suas preferências sempre que retornar. Até aí, é legal e justo.

O problema passou a ser o que se conhece por third-party cookies, ou cookies de terceira parte ou apenas cookies de terceiros. São justamente esses os “dedos duros” e que funcionam como rastreadores das pegadas digitais que você deixa por cada site que visita.

Se por exemplo, você pesquisa sobre ferramentas e acessa alguns sites, os cookies relativos a tal ação, são gravados. Se a seguir você entra no YouTube, com intenção de ver vídeos sobre ciclismo, além de um cookie com a preferência pelo assunto, você provavelmente verá publicidade sobre ferramentas. Se após isso, entrar em uma rede social e curtir e compartilhar postagens sobre sapatos, além do cookie sobre seu interesse sobre sapatos, você também deve visualizar publicidade sobre ferramentas.

No final de algum tempo de navegação, as empresas envolvidas saberão que você interessa-se por ferramentas, ciclismo, sapatos e tudo o mais que você tiver visitado e fizer parte do universo digital das empresas de publicidade online.

Já seria motivo suficientemente bom para recriminar a prática, mas não é tudo.

Não é raro que essa informação seja comercializada, não diretamente, mas serve para aqueles que participam do oligopólio desse mercado, para faturarem mais de 500 bilhões de dólares projetados para 2023, segundo o eMarketer.

E se você quer saber ainda mais, se você tem um site e usa o Google Analytics, ao aderir ao serviço, você concorda que entre outras coisas, seu site passará a gravar um desses cookies de terceiros – do Google, no caso – nos dispositivos dos visitantes e é o meio pelo qual algumas das métricas são possíveis de serem produzidas.

O que a violação da privacidade revela sobre mim?

Muita gente deve pensar que alguns poucos sites saberem que um determinado usuário quer comprar algumas ferramentas, gosta de pedalar e curte sapatos, não é um problema muito sério ou tão ruim assim.

Bem, se você tem uma conta no Facebook e a depender das suas configurações de privacidade, dos seus hábitos de navegação, do que posta e do que se engaja, se usa ou não navegação anônima ou privada, com que frequência limpa os cookies, se o seu navegador padrão é o Mozila Firefox ou o Brave, entre outros detalhes, a empresa de Zuckerberg, sabe bem mais do que isso!

A Meta pode saber seu nome e sobrenome, conhecer o seu rosto agora e quando você tinha 5 anos, seu endereço residencial e comercial, os lugares que frequenta e em quais esteve nas férias, uma série de preferências, daquelas de cunho político, religioso e até das que nem você tem muita certeza e também quem são as pessoas da sua família e seus amigos… e tudo isso, sobre todos eles também.

E não é só por conta dos cookies deles próprios e de terceiros. Deve-se a informações que você alimenta voluntariamente conforme usa o app no smartphone ou o site no notebook.

Toda a informação é devidamente classificada em seu Big Data e por meio de Inteligência Artificial e Deep Learning, produz uma infinidade de dados extremamente precisos sobre cada um dos usuários da rede social e que não tem finalidade de produzir estudos sociológicos. Afinal, de onde você acha que veio a fortuna da empresa?

As redes sociais e a superexposição

As redes sociais foram o segundo grande fator responsável pela violação inescrupulosa da privacidade das pessoas, baseando-se na superexposição.

Sob o pretexto da socialização no ambiente das redes, a exposição voluntária de aspectos diversos e que até então, eram tidos como privados e/ou íntimos, passou a ser público. Veio o incentivo a que tal comportamento fosse ampliado, sob o nome de curtida.

Se antes da Internet e das redes sociais, algumas coisas você só revelava a um seleto grupo de pessoas, com elas em troca de um “joinha”, agora você se dispõe a que qualquer um veja, saiba e se for muito legal, que até compartilhem com quem você nem nunca ouviu falar.

Curtidas e comentários são o máximo, não é mesmo?! O que as pessoas não são capazes de fazer em troca deles!

Caso um completo estranho lhe aborde na rua e pergunte seu nome, para onde você foi nas últimas férias, em que lugar mora e quantos filhos você tem, achará muito estranho e pode até ter receio das suas intenções, mas se tudo isso vier por meio de uma rede social, tudo bem não é mesmo?!

É fato que os usuários estão expondo-se de modo perigoso e entregando nas mãos de empresas sem nenhum compromisso com a verdade, com a ética, com a segurança, uma quantidade enorme de informações pessoais e até daqueles com quem se relacionam, sem que considerem as muitas e possíveis consequências dessa exposição excessiva.

Sim, há também o aspecto da segurança, seja pelos prejuízos possíveis e decorrentes dos cada vez mais frequentes vazamentos de dados, como por diversas outras ameaças de ter sua vida privada revelada em uma rede social.

A segurança no mundo digital, deve ser levada tão a sério como a do mundo físico.

Mas é compreensível que nem todos enxerguem assim. Tudo é meticulosamente planejado, desde o momento em que você ingressa em uma rede social e começa com a política de privacidade e os termos de prestação de serviços, os quais você precisa declarar que leu e que concorda.

Mas quem lê?

Há até quem tente, mas encontrar no caso do Facebook, uma política de privacidade com mais de 4300 palavras, muitas delas em linguajar pouco compreensível para muitos, chata e formal, pouco objetiva, é desestimulante.

É quase do mesmo tamanho que a Constituição dos EUA!

Mas caso você tenha paciência e insista, encontrará coisas como: ”Para oferecermos os Produtos da Meta, precisamos tratar informações sobre você. Os tipos de informações coletadas dependem de como você usa nossos Produtos”.

E que na prática quer dizer: “nós vamos coletar toda informação que acharmos necessária”.

No caso do YouTube, por exemplo, há um trecho que contém: “Se fizermos mudanças significativas neste Contrato, avisaremos você com antecedência razoável e daremos a você a oportunidade de analisar as mudanças…”. O que é uma mudança significativa? Se eles não acharem significativa, podem mudar e você nem precisa saber, certo?

Também informam que em casos urgentes, isso não se aplica.

Mas é provável que a grande maioria não tenha lido nada disso e tampouco parado para refletir nas consequências.

A “gratuidade” da Internet e a privacidade

Desde que as discussões sobre garantir a privacidade dos usuários ganharam importância e destaque, culminando em leis e regulação como a GDPR e a LGPD, também tem surgido argumentos que soam mais como ameaça por parte daqueles que faturam bilhões (com “B” de bola) de dólares.

Há quem defenda que a Internet só é gratuita devido a esse mercado que foi constituído e que faz uso das nossas informações pessoais. É a moeda de troca e que no momento em que houver mais e mais mecanismos para coibir a coleta e uso de tais dados, a única saída para os sites e serviços na web e as respectivas empresas por trás deles, será cobrar dos usuários.

Esquecem-se – ou querem que esqueçamos – que antes deles, a Internet já era “gratuita” e que bons sites e serviços pagos, também já existiam.

Ou a empresa de Mark Zuckerberg estaria disposta a pagar por todo o conteúdo que você já produziu para ele, todo o engajamento que você gerou e ajudou a alavancar outros conteúdos, ou ainda todos os dólares com publicidade que os seus, os meus, os nossos dados possibilitaram, os cliques aqui e ali, as compras, as indicações e sabe-se lá mais o que.

Quanto as pessoas estão dispostas a pagar para entrar no Facebook ou qualquer outra rede social, desde que isso signifique não abrir mão da sua vida privada? Provavelmente o seu declínio e fim seria muito mais rápido do que se viu com o Orkut.

Ainda não é tarde demais. Quem sabe você que chegou até aqui, não reflita melhor sobre o assunto, antes de dar permissão para ingressar na versão do metaverso que eles estão criando e de tomarem de você bem mais do que já fizeram!

Conclusão

Chegou a hora de você saber a quantas anda a sua privacidade na Internet, os riscos associados à exposição e quem só tem a ganhar com a sua violação.

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