Internetês nas empresas. Pode ou não pode?
Não há dúvida que ele se consolidou entre determinados grupos e especialmente em algumas gerações, de tal maneira, que seria estranho ver uma conversa entre centennials ou Z’s no WhatsApp ou em uma sala do Discord e não ser a base da comunicação entre eles.
Estamos falando do Internetês.
Afinal, o que é o Internetês? Como, quando e por que surgiu? Pode ou não ser usado em outros contextos, como no caso das empresas?
Compreender e discutir esse tipo de questão, é o tema desse bate-papo.
O que é o Internetês?
Quando pesquisamos sobre o assunto, encontramos uma grande variedade de definições, como a que classifica o Internetês como um conjunto de códigos de linguagem taquigráfica, fonética e visual, que visa facilitar e acelerar a comunicação escrita.
Não é difícil compreender essa explicação quando nos concentramos particularmente nas palavras taquigráfica, fonética e visual:
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A taquigrafia é o uso de métodos para abreviação ou utilização de símbolos de escrita, com a finalidade de ser mais rápida ou breve se comparado com a forma padrão da escrita das palavras. Entre os muitos exemplos práticos, usar vc em vez de você ou hj no lugar de hoje, faz com que se precise da metade do tempo para digitação, em relação ao formato “correto”;
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É fonética porque para algumas situações faz uso de representações dos sons produzidos na fala, como no caso de naum em substituição ao não. Embora, diferentemente da taquigrafia e, portanto, com a inclusão e não remoção de caracteres, pretende soar como falamos e em termos de digitação, é mais dinâmico do que usar o til, ou em exemplos de uso de acentuação (ex: jah/já, eh/é, etc);
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O componente visual caracteriza-se pelos emoticons e emojis, que substituem um palavra inteira e em alguns casos, até mais de uma ou mesmo uma condição momentânea de quem o utilizou, como alegria, felicidade ou sorrisos, simbolizados por :) ou :D;
Porém há quem estude o fenômeno e considere o internetês de um modo mais amplo, uma vez que há uma série de gírias e neologismos, que é quando uma nova palavra é criada ou uma existente ganha uma nova significação, que são os casos de “partiu”, “lacração” ou “pegou ranço”.
Também podem ser incluídos os estrangeirismos, que é cada vez mais comum e que na lista de exemplos, contém palavras como “stalkear”, “shippar”, “trollar”, “flopar” ou “hype”.
E não fica só nisso. No caso do Brasil, sempre damos um jeitinho de adaptar esse novo vocabulário, até transformando substantivos estrangeiros e criando novos verbos a partir deles. Agora alguém pode “fanficar” (fanfic = narrativa ficcional escrita e divulgada por fãs), “hitar” (hit = música que se tornou muito popular) ou ainda “bugar” (bug = falha em sofware ou hardaware).
Ou seja, o internetês é a linguagem que normalmente é usada nas mais diversas situações na Internet, como nas redes sociais, mas que muitas vezes também vai além desse contexto e ganha espaço na comunicação presencial e em diferentes círculos sociais, incluindo até mesmo o profissional.
Quando e por que surgiu o Internetês?
Há quem diga que o internetês surgiu com o SMS. Isso porque digitar qualquer coisa nos primeiros celulares, era trabalhoso e demorado. Quem viveu a época, sabe. Portanto, as três primeiras características (taquigrafia, fonética e visual), tornavam a tarefa muito mais fácil.
E havia ainda outro fator, a limitação de caracteres possíveis nas mensagens.
Mas o internetês é na verdade, muito anterior ao SMS.
Ele nasceu antes da popularização do celular e da própria Internet em termos comerciais.
Ainda nos primórdios da rede mundial de computadores, quando ela ainda nem era chamada de Internet e só era acessível por raras universidades mundo afora e poucas no Brasil (USP, Unicamp, PUC, algumas poucas federais, etc) interligavam-se e tinham acesso a alguns recursos e protocolos (BBS, MUT, telnet, etc), a comunicação entre dois ou mais usuários, já continha muitos elementos de internetês.
O hoje famoso e tão usado “lol” e que corresponde a “laughing out loud”, já era amplamente usado naquela época. Inclusive a quase totalidade de expressões, era composta de termos da língua inglesa, como “brb” (be right back ou volto logo), “c u” (see you soon ou até logo), ou “ty” (thank you ou obrigado).
Os emoticons também são da mesma época, exceto que apenas na sua versão em texto, já que ainda não havia os computadores com sistemas operacionais gráficos, como o Windows. Assim, as populares “carinhas” em todas as suas variações ( :), :-), :-D, :-(, …), são dessa época.
É importante entender o contexto. Na década de 80, uma conexão mesmo de uma grande universidade, poderia não alcançar nem 1 Kbps, sem contar o lag (atraso na comunicação entre dois computadores) e, portanto, toda e qualquer “economia” nos bytes trocados, fazia toda a diferença.
No final dos anos 80 e começo dos anos 90, o IRC (Internet Relay Chat) e que foi por muito tempo a principal forma de comunicação em tempo real, podendo ser considerado o predecessor dos comunicadores instantâneos (ICQ, Messenger, AIM, etc), ajudou a consolidar e ampliar o “vocabulário internético”.
Assim, anos depois quando os primeiros celulares e o SMS tornaram-se disponíveis, os desbravadores da Internet, apenas aplicaram sua experiência e praticidade, na novidade que surgia.
Desde então, para acelerar ainda mais a comunicação escrita que era cada vez mais frequente na Web, especialmente os jovens, frequentadores assíduos das salas de bate-papos, acabaram “aperfeiçoando” a língua, simplificando a grafia, criando símbolos e neologismos e aplicando a liberdade da fala à escrita, passando a se comunicar primordialmente através dessa nova linguagem virtual e dinâmica.
Quais os impactos do uso do internetês em outros contextos?
Não há porque escrever “deletar”, se no contexto utilizado, a palavra apagar for adequada ao uso pretendido. Inclusive, apagar é mais fácil de escrever por ter menos letras, se formos nos apegar ao princípio da adoção de muitos dos termos do internetês.
Embora deletar já até faça parte dos dicionários, seu uso fora do contexto da informática, revela que a linguagem e a comunicação estão sendo afetadas pelo uso frequente de muitos dos termos que se popularizaram com a presença constante da Web no dia a dia das pessoas.
Se por um lado constitui uma evolução natural de toda língua, conforme constatam especialistas no assunto, conferindo dinamismo e identidade entre os membros das comunidades virtuais, ao utilizarem diversos recursos linguísticos e gráficos na tentativa de aproximar o máximo possível a escrita e a fala, pode ser uma armadilha àqueles que participam de um concurso, de uma entrevista de emprego, do exame vestibular e em tantas outras situações nas quais a formalidade linguística é exigida.
Alguns desses especialistas têm observado que o internetês por si só, não é um problema, mas a ideia de que tudo é permissível e que tudo que compromete a simplificação e a velocidade, pode ser abolido, como as vírgulas, a pontuação e até aspectos importantes da grafia que são essenciais para a compreensão, pode ser arriscado.
Há jovens que não conseguem mais escrever corretamente, nem quando precisam. Pior, porque muitos acreditam que a forma que usam, é correta porque a exposição ao internetês é maior do que o português “normal”.
Em um dos muitos exemplos disponíveis, presume-se que o jovem pretendia ter escrito em um questionário de um processo seletivo, algo como: “Se você me contratar e pagar esse salário, eu vou ter dinheiro para comprar muitas coisas que eu quero”, mas em vez disso, saiu: “Si vc mi contrata e paga esi salariu eu vo te dinheru pra compra muita coisa k eu kero”.
Há quem ache engraçado e não tenha nenhuma dificuldade em compreender a frase, mas no contexto em questão, não é necessário dizer que o candidato não avançou no processo seletivo.
Mesmo em outros cenários, existem pessoas que tem dificuldade e precisam ler mais de uma vez para terem a certeza de que compreenderam o que foi escrito, ainda que não tenha sido usada nenhuma palavra “especial”, como são os casos de “tmj” (tamo junto) ou “sla” (sei lá). Ou seja, foi bem além de simplesmente “derrapar no português”. Consistiu quase de um novo dialeto.
Não se trata de uma situação nova. Historicamente e, portanto, em diversos momentos e com todas as línguas, foram criados códigos linguísticos específicos e que foram usados por tais grupos, como as gírias entre surfistas, skatistas, hippies, roqueiros, etc. E tal como foi nesses casos, aqueles que estão de fora, não os compreendem ou têm muita dificuldade em fazê-lo, até que esse novo código seja naturalmente incorporado por todos.
O internetês nas empresas
Atualmente muitas empresas têm incluído formas de avaliar a capacidade de expressão escrita dos candidatos, seja por meio de redação, seja por meio de simulações que se aproximam de algumas situações quotidianas nas quais é preciso examinar a habilidade no uso das palavras.
Isso porque tem se observado nos últimos anos uma sensível piora na capacidade de expressão verbal escrita e grande quantidade de incorreções gramaticais.
A quantidade cada vez maior de horas que as pessoas passam na Internet e em circunstâncias nas quais o internetês é usado, acaba condicionando o profissional menos atento, especialmente os que lidam com atendimento, seja aos clientes externos, seja aos internos.
Em parte também porque crescem as alternativas de atendimento e comunicação empresarial que são exatamente as mesmas ou guardam muitas semelhanças com os muitos recursos da Web, como o atendimento via WhatsApp, o chat de atendimento, as plataformas de comunicação (Zoom, Slack, Skype, Teams, etc), ou ainda no perfil da empresa nas redes sociais.
No intervalo do almoço ele aproveita para checar as redes nas quais ele tem conta e interagir com seus contatos, usando o internetês mais raiz possível. Cinco minutos depois, já de volta ao seu trabalho, ele atende um cliente no “Zap” e que por descuido, mas também porque está acostumado a usar aquela interface de forma totalmente informal, responde automaticamente e involuntariamente ao cliente: “tmj pcr” (tamo junto parceiro)…
Tarde demais, porque além de tudo, essa nova geração aprendeu a digitar nos teclados virtuais, tão ou mais rápido do que falam!
Pode não haver nenhuma consequência, a depender de quem está do outro lado. Mas pode ser também um arranhão na reputação digital da empresa.
A verdade, é que apesar de amplamente difundido, presumir que todo mundo utiliza o internetês e, além disso, conhece seus significados, é o mesmo que acreditar que todo mundo está nas redes sociais. Não corresponde à realidade!
Até entre dois colaboradores que sabidamente conhecem e usam o conjunto de códigos que compõem o vocabulário da Web, o ambiente empresarial exige cumprir um protocolo mínimo, afinal nunca se sabe se uma inocente troca de mensagens de e-mail entre ambos, não precisará ser usada em outras situações, como por exemplo, ser encaminhada a um gestor.
Por fim, mas não menos importante, na relação com clientes internos e que teoricamente exigiria menor formalismo e que em alguns cenários é incentivado, afinal muitos softwares de comunicação permitem uso de emojis, não se pode esquecer que há o convívio de diferentes gerações e que nem todas são afins ao internetês, o que pode produzir ruídos e, portanto, afetar a eficácia da comunicação empresarial.
Conclusão
O internetês ao mesmo tempo que reflete o dinamismo e adaptabilidade da linguagem, pode constituir uma barreira comunicativa em diferentes contextos.