Quem controla ou é dono da Internet?

Há quem diga que a Internet é “terra sem lei”, porque não há controle, não há regras, tudo é possível, nada do que acontece tem consequências!

É verdade?

Por tudo o que se vê acontecer na rede mundial de computadores, a maior parte de nós é levada a acreditar que sim. Que não há controle algum e não haja uma entidade, um governo ou mesmo uma pessoa que exerça algum tipo de administração sobre o que acontece.

É isso, bem como que controle seria preciso existir, para que esse universo digital seja mais positivo para todos que dele participam, o nosso assunto de hoje.

A origem da Internet

Ela – a Internet – nasceu e desenvolveu-se por princípio como uma tecnologia descentralizada, o que de algum modo fez pressupor uma ausência de um controle central, ainda no auge da guerra fria, justamente para que não fosse suscetível a ataques e, portanto, ameaças ao seu funcionamento.

O que não se imaginou no entanto, quando da sua criação, que ela tivesse o crescimento comercial que teve e que é o principal responsável por ser o que é.

Em sua concepção, a infraestrutura – infinitamente menor do que é hoje – e conceito não exigia que houvesse um órgão central que determinasse seus rumos, sua administração e regras bem definidas para seu funcionamento.

Servindo aos que dela inicialmente usufruíam, era o que bastava. E de fato foi assim na sua origem.

É preciso lembrar que no princípio, quando ainda era denominada apenas como ARPANET, tudo o que dela fazia parte, eram alguns centros de pesquisa e logo depois universidades e, portanto, sob motivação mais acadêmica e científica. Logo era de se supor que por conta dos atores envolvidos, houvesse um mínimo de ética e acordos tácitos de como as coisas deveriam acontecer.

Era uma época em que os acessos ocorriam por telnet – um protocolo de conexão em rede – usando endereços IP, os quais também serviam para acesso a BBSs (Bulletin Board System) e até para e-mail, um serviço tão antigo quanto a própria Internet.

Bastava usar um IP no lugar de um domínio, afinal não existiam milhares de contatos de e-mail, os quais eram restritos a alguns pesquisadores, nem os milhões de websites. Na verdade, esses nem ensaiavam ainda existir.

Não haviam ainda os domínios e suas extensões, os quais foram criados apenas em meados da década de 80. Mas antes deles, surgiu a IANA, uma das primeiras organizações a exercer algum nível de “controle” na Internet, o que nos remete à pergunta principal do presente bate-papo...

Quem controla a Internet?

Se pensarmos nos tipos de controle que estamos mais acostumados, como por exemplo, o que há sobre questões sanitárias, em que temos órgãos como a Anvisa, ministérios e secretárias, para citar apenas os principais, é correto afirmar que não há controle formal, ou pelo menos amplo, completo e caracterizado pela figura de um organismo qualquer.

Mas quando mencionamos a primeira organização responsável por administrar alguma coisa na Internet, mencionamos a IANA (Internet Assigned Numbers Authority), que em português significa Autoridade para Atribuição de Números da Internet e que até hoje é responsável por determinar quem usa cada endereço IP disponível.

Com a popularização dos nomes de domínios, outra entidade com o mesmo fim foi criada, em 1988, a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN) ou Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números.

Ambas – IANA e ICANN – são em teoria entidades sem fins lucrativos, mas que são subordinadas ao governo dos Estados Unidos da América.

Outra parte importante e que é fundamental no funcionamento da Internet, está relacionada aos servidores raiz de DNS e que são responsáveis por atribuir a cada um dos bilhões de domínios que algum dia já foram registrados na ICANN.

São ao todo 13 (treze) servidores raiz de DNS, sendo 10 nos EUA, 2 na Europa e 1 no Japão.

Entre os 10 localizados nos EUA, um está na NASA, um na DISA (Defense Information Systems Agency), um no Laboratório de Pesquisa do Exército dos EUA e um servidor raiz na ICANN. Portanto, todos órgãos ligados ao governo norte americano.

Logo, não é exagero afirmar que o “pouco controle” existente ou se há um “dono da Internet”, está sob tutela do governo daquele país!

Outros “controladores” da Internet

Embora endereços IP, nomes de domínios e DNS, sejam parte essencial do funcionamento da Internet, tal como a conhecemos hoje, há outros atores que também exercem algum tipo de ascendência.

É o caso do W3C (World Wide Web Consortium) é a entidade responsável por estabelecer padrões a serem adotados na World Wide Web e que embora proponha-se a ser internacional, tem a participação de órgãos governamentais e é sediada nos Estados Unidos.

Já a Internet Society, cuja sigla é ISOC, que atua em conjunto com governos e empresas para estabelecer os moldes e conceitos necessários para que web opere segundo padrões globais e únicos. Sua sede é em Virgínia, EUA.

Também há a Internet Engineering Task Force (IETF), que é um comitê internacional responsável pelo desenvolvimento de padrões para funcionamento da Internet, como por exemplo, determinar os padrões técnicos do protocolo de Internet TCP/IP, dentre outras RFCs. Na prática ela é subordinada à ISOC.

O poder econômico e as Big Techs

Para além das entidades mencionadas, entre outras menores, há também os atores que não atuam formalmente na determinação de regras, no controle ou na tomada de decisões sobre o funcionamento e o futuro da rede mundial de computadores, mas que em termos práticos, interferem pelo poder econômico que têm e por sua atuação – as chamadas Big Techs ou as gigantes da área de tecnologia.

Entre os exemplos mais populares, estão o Google e o Meta – antiga Facebook – e em um segundo escalão, Microsoft e Amazon, segundo que este não determinado por menor capacidade financeira, mas pela influência e poder dado pela informação que concentram.

Fica claro seu papel, quando uma falha qualquer em sua infraestrutura ou mesmo ficam fora do ar, são capazes de deixar literalmente metade da Internet inacessível ou com problemas diversos.

Soma-se a isso a quantidade de informação que concentram de todo o tipo e que é sem exagero, o ouro do século XXI.

De pessoas a empresas, não aparecer nos resultados das páginas de busca do maior site de buscas do mundo e nas redes sociais da empresa que quer ditar as regras do que será o metaverso, é o mesmo que não estar na Internet. Isso é um indicador de democracia na rede? Ou será de controle?

E é desnecessário dizer em qual país estão localizadas todas essas empresas!

Nesse ponto, também você já é capaz de responder por si mesmo quem controla a Internet. Não formalmente e sob a figura de uma única agência, órgão ou entidade, mas disfarçada sob diversos nomes.

Quais as consequências da ausência de controle?

A melhor pergunta talvez seja, “quais as consequências da ausência de controle ‘formal’ na Internet?”.

Sim, porque somente ao estabelecer-se um órgão efetivamente internacional, com representantes de todos os continentes e com igual poder de voto na determinação de padrões, de regras e normas, de controle e administração, poderemos dizer que teremos uma Internet realmente globalizada, democrática e descentralizada.

Nos moldes atuais, quem dá as cartas, são os Estados Unidos.

Você já se perguntou se são apenas motivações de cunho político e ideológico, que fazem com que a Internet sofra algum nível de controle estatal, por parte de todos os países que não são aliados dos norte-americanos?

Independente disso, a ausência de controle formal também produz inúmeras consequências e colocam em risco o futuro da Internet. Não estamos falando de ameaça a sua existência, mas dos rumos que ela está tomando e que já são visíveis há algum tempo.

Consequências como o aumento de fake news e desinformação, a ameaça ao sigilo e a privacidade, a produção e disseminação de SPAM, parte do conteúdo oculto na Deep e Dark Web, o aumento dos oligopólios e a concentração ligados à tecnologia, os muitos problemas de segurança digital e até mesmo à saúde, são algumas questões que poderiam ser melhor tratadas por uma organização de caráter mundial e representativa dos interesses das sociedades globalizadas.

Alemanha, Inglaterra, Japão e até mesmo a Rússia, Índia e Brasil não têm condições de produzir grandes players para atuarem no setor? É apenas coincidência que as maiores, mais lucrativas e influentes empresas da grande rede estejam todas nos EUA? Que tudo o que se faça, que é tendência, seja com base na cultura e no modo de vida norte-americano?

Acreditar que a Internet não tem dono, não tem controle, serve muito bem a continuidade de tudo o que vemos e vivemos nesse instrumento cada vez mais entranhado em nossas vidas e do qual não podemos prescindir. Ou é imaginável um futuro em que ela não esteja ainda mais presente do que hoje?

Conclusão

Formalmente não há controle ou um “dono” da Internet, mas a forma em que está constituída e seus agentes, são decisivos para os seus problemas e seu futuro.

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