A glamourização da empresa na Internet e redes sociais
Seria no mínimo insanidade e imprudência negar a longa lista de benefícios que a Internet trouxe para todos. Mas na maioria das vezes, só se fala desse lado.
E não, não vamos demonizar e nem trazer uma lista de tudo que possivelmente não é tão bom assim, dos seus “defeitos” ou do que precisa mudar. Além do que, seria no mínimo muita pretensão acreditar que um simples post teria o poder de fazê-lo.
No entanto, todo mundo que cria conteúdo, precisa adotar visões mais alinhadas com a realidade, se quiser resultados mais perenes, consistentes e realistas.
Para tanto, é importante começar com uma indagação que tem se tornado cada vez mais comum...
A vida na Internet é perfeita?
Pelo que se vê por aí e especialmente nas redes sociais, parece que sim, a vida do mundo real é perfeita quando vista sob as telas que mostram a Internet.
Talvez só a sua que não seja!
Sim, porque como dissemos e em maior grau nas redes sociais, os casais sempre são os parceiros perfeitos e ideais e que declaram amor eterno um pelo outro. Todo mundo pode ficar rico, sem trabalhar muito e só não é, quem não quer. As férias são sempre perfeitas, nos lugares mais lindos do mundo, sob climas perfeitos, hotéis 5 estrelas, restaurantes do Guia Michelin e uma longa lista de detalhes que parecem ter saído de um roteiro de filme de Hollywood.
Tudo é glamouroso, tudo é lindo e tudo é maravilhoso! Se não é perfeição, está muito próximo de ser.
E tem até um monte de gente que conhece as fórmulas do sucesso para atingir condição igual. Invariavelmente, tentam – e não raramente conseguem – convencer que conhecem o “caminho das pedras”, mostrando a sua própria vida como prova. Alguns até se propõem a contar-nos o segredo para ser igual a eles.
Muito generosos, não é mesmo?
Mas e se por acaso – somente, por acaso – você fizer tudo direitinho como eles propagam e não chegar lá?
Bem, alguma coisa você não fez do jeitinho exato que eles disseram que deveria ser feito. Ou quem sabe, você não é suficientemente capaz. Quem sabe você insistiu por apenas 798 dias, quando o certo, eram 801. Faltaram 3 dias de empenho e, portanto, a culpa é só sua! Agora você tem que começar tudo novamente, a partir do zero, se quiser os resultados que eles lhe prometeram.
E logo você vai encontrar mais depoimentos de gente que antes era como você, mas que agora é como ele – o influenciador digital mais seguido e curtido da atualidade – e que também conquistou o corpo perfeito, a conta bancária com vários dígitos, as agendas repletas de festas e eventos badalados, os melhores amigos do mundo e a rede social com 3 trilhões de seguidores, ainda que isso signifique aumentar várias vezes toda a população do planeta.
Vamos lá! Tente mais uma vez, seja resiliente e não desista nunca.
Mas além do corpo escultural, conseguido com um pouquinho de química não convencional, dietinhas bem simplesinhas, 10 horinhas diárias e 7 dias por semana de academia e uns filtrinhos bobos do Photoshop, tem outras situações que muitas vezes ficam em segundo plano, mas que podem ser igualmente relevantes.
É muito fácil encontrar um “especialista” para qualquer assunto na Internet e na maioria das vezes, nem é preciso atentar para contextos, para fontes confiáveis ou qualquer coisa que o valha. Ele acaba se tornando o “consultor” e o “solucionador” de todos os problemas.
Por que eu preciso ir a um médico, para tomar um remédio ou contratar um engenheiro ou arquiteto para a reforma da casa, ou qualquer outro profissional? Encontrei alguém na Internet que sabe tudo a respeito e que dá todas as dicas e de graça!
Que mal tem autodiagnóstico e automedicação? Ou apenas três novos cômodos em cima da casa?
Não importa que o canal dele no YouTube seja patrocinado pelas marcas que ele divulga ou que aquele numerosinho de visualizações lhe renda todos os meses uma monetização de seis dígitos. É de graça, afinal não vou ter que tirar uma única moedinha do bolso.
Por que as pessoas preocupam-se com indicações, com o histórico profissional, com a formação superior e com vários aspectos que atestam a competência profissional na vida real, mas não fazem o mesmo no virtual?
O número de seguidores, curtidas ou o posicionamento nas páginas de resultados dos sites de busca (SERPs) é suficiente?
Aonde fica a preocupação com a fonte da informação que é consumida? Checa-se se essa informação na verdade não está produzindo desinformação? Ou até pior, se não é fake news?
Por que a vida mostrada na tela mexe tanto com as pessoas? Qual o poder que a vida alheia exerce? Quando o conteúdo – independente da sua qualidade – na World Wide Web passou a determinar comportamentos e ser o padrão do que fazer ou ser?
Não deveria ser o contrário? Ou seja, o conteúdo não deveria ser orientado pelas necessidades e interesses e reais, em vez destes serem determinados por esse conteúdo?
Discutíveis e difíceis respostas para tais perguntas...
Até agora falamos de relações – ainda que virtuais – apenas de pessoas para pessoas e que já seria um problema que merece preocupação. A coisa assume proporções ainda maiores, porque não é de hoje que as empresas estão seguindo os mesmos passos.
A glamourização das empresas na Internet
É verdade que não é “culpa” da Internet que marcas e empresas “emprestem” a imagem de famosos e celebridades para promoverem-se. Há décadas a publicidade convencional e o Marketing, já fazem isso.
A sutil mas importante diferença, é que antes o uso de “garotos propaganda” apoiava-se em princípios como qualidade ou segurança, por exemplo. “Fulano de Tal usa a marca XPTO, porque ele sabe que pode confiar”, é um hipotético slogan de uma campanha apoiada nesse conceito.
Apesar dessa mensagem quase subliminar de ainda vincular alguém famoso – ainda que antes do reality show fosse alguém totalmente “comum” – com uma marca, a mensagem agora é outra.
A celebridade que tem as portas abertas a qualquer lugar e o tempo todo, os convites para eventos, as entrevistas, os presentes e regalias e combinado com esse lifestyle, o uso da marca e a palavra que se tornou frequente – ostentação.
Ostentação é substantivo feminino que indica pompa, demonstração de luxo e riqueza e mostrar-se aos demais em uma condição teoricamente superior. Ou seja, é ser mais, ser diferenciado, com destaque para o ego e a vaidade.
Pensemos em produtos específicos das marcas, como por exemplo, carros.
É como se já não precisassem antes de mais nada serem econômicos, darem baixa manutenção e quando ela for necessária, seu custo ser acessível. Não precisam ser confiáveis e “pau para toda obra”. Nem serem resultado de muita evolução tecnológica. É mais importante serem ícones de ostentação, de classe e de sucesso.
Não que um Ferrari já não também trabalhasse nesse tipo de aspecto, mas era parte de um seleto e restrito grupo de marcas e não daqueles que estão os carros que qualquer um pode ter.
E mais ainda, eram máquinas capazes de realizar sonhos, de alcançar velocidades incríveis e proporcionar experiências únicas. Poucos afortunados têm tal privilégio. Aliás, um Ferrari não precisa emprestada a imagem de nenhuma celebridade. Ela cumpre sozinha esse papel.
Isso revela que muitas marcas, estão seguindo os mesmos passos dos influencers e inclusive é justamente por isso que cada vez mais recorrem a aos influenciadores digitais nas suas estratégias de Marketing Digital. Se tal influenciador usa, se ele recomenda, é bom. Não importa se de fato seja!
Notem que não há problema nisso de associar-se a alguém que influencia outras pessoas. A questão é outra.
Quando se trata de uma dessas muitas “celebridades instantâneas”, a relação com elas torna-se efêmera, tanto quanto for a extensão da sua fama. Se forem aqueles 15 minutos, logo tem-se que buscar um substituto.
Outro efeito colateral, se é que podemos assim chamar tal tipo de situação, é o esvaziamento de tudo que deve estar associado ao processo de construção das marcas (branding).
Em outras palavras, aqueles milhões de seguidores ou daqueles que vivem sob influência do que os algoritmos escolhem para eles com base em seus comportamentos, apenas reforçando suas convicções, serão em alguma medida impactados.
Mas e os demais que também são clientes em potencial, mas não estão sob influência, seja por que não estão nas redes sociais, seja porque são nativos analógicos, seja porque têm outra visão de mundo?
A marca simplesmente opta por ignorá-los?
A rede social, o blog ou mesmo site institucional dessas marcas é de fato a representação online da empresa?
É preciso reiterar, que não se trata de defender pura e simplesmente que as pessoas não devam aspirar para elas aqueles modelos de vidas tidos como ideais, mesmo aqueles que pareçam um conto de fadas. Tampouco, de desconectar-se do mundo online, ou ainda de ser colocado à margem de todos esses movimentos.
Trata-se de fazer um uso mais profissional e porque não dizer ético, do Marketing de Influência e que tem na Internet, seu atual e principal instrumento.
De também não descuidar de tudo o que deve estar relacionado com a marca, independente do quão boa é a associação com a imagem de uma pessoa. A empresa coloca em primeiro plano a segurança, a qualidade, o relacionamento com seus clientes, os serviços associados aos produtos e o atendimento, ou só está se preocupando como ela aparece na Internet?
Ela tem se apresentado de forma aparentemente perfeita, mas é condizente com a realidade?
É muito comum identificar isso, quando se vê as avaliações de muitas empresas no Google e as boas avaliações são respondidas e agradecidas pelos administradores do negócio, mas as críticas e insatisfações, são muitas vezes ignoradas.
A que ponto chegamos que uma empresa se dê o direito de ignorar uma reclamação?
Deveriam ser justamente os clientes que reclamam, aqueles responsáveis pelas melhorias e identificação de possíveis falhas, do que não é feito pensando na razão de ser da empresa e da sua vitória sobre a concorrência.
Mas ao que parece, empresas também estão mais preocupadas em mostrarem-se como perfeitas, ainda que na realidade estejam muito longe de serem.
Conclusão
Empresas têm se comportado como as pessoas na Internet e nas redes sociais e muitas vezes imitam o glamour associado, dando a impressão que são perfeitas.