Responsabilidades da profissão de influenciador digital

Não é exagero dizer que o seu surgimento está intimamente relacionado e dependente do sucesso dos blogs e, portanto, ao avanço da própria Internet. Sim, muitos dos primeiros blogs de grande projeção e que tinham por trás do seu conteúdo e da sua administração uma pessoa bem definida e conhecida, contribuíram para o surgimento dos primeiros influenciadores digitais.

Essa nova atividade que nasceu com a Web, proporcionou uma série de benefícios aos envolvidos, como prestígio, visibilidade e fama, tanto que muitos são tratados como celebridades digitais, mas acima de tudo, têm poder de persuasão sobre seu público, razão pela qual são chamados de influenciadores.

Todavia, independente dessas condições, há uma outra que pouca gente comenta, que são as responsabilidades da profissão e é disso que trataremos no post de hoje.

O “poder” da influência digital

Até não muito tempo atrás, um formador de opinião não era considerado um profissional com atuação específica, ainda que essa condição pudesse ser usada favoravelmente no contexto de várias áreas.

De economistas a jornalistas esportivos, de pesquisadores universitários a juristas, ou quem sabe um empresário extremamente bem-sucedido ou “apenas” um profissional qualquer com amplo conhecimento e vivência em sua área de atuação, poderiam ser considerados formadores de opinião.

Mas acabava por aí. Não havia o status e o poder que os influenciadores digitais conseguiram, ainda que aproveitando de sua reputação e imagem, fossem convidados para eventos, entrevistas ou participação em campanhas publicitárias, mediante alguma remuneração.

Já o influenciador digital foi além, na medida que seu poder muito maior de incutir ideias, sugestionar, inspirar e até de manipular a sua audiência, fizeram dessa capacidade o objeto de marcas e empresas, tornando-o o profissional do convencimento voltado ao consumo de qualquer coisa.

O digital influencer – termo correspondente em inglês e também usado – é o profissional que tem poder de promover temas e as discussões em torno dele, de interferir em muitas das decisões das vidas privadas e profissionais de várias pessoas, ou de intervir nos diferentes círculos (cultural, social, econômica, etc) dos quais seus seguidores participam.

Em casos extremos, podem se aproximar quase de uma seita e que leva o termo seguidor ao seu sentido mais fiel.

E ele é pago para isso, na proporção direta do seu alcance, produzindo inclusive toda uma legião de milionários.

A seriedade do assunto, fez acender a preocupação com o futuro da profissão de influenciador, que apesar de ainda não ser regulamentada, passou a engrossar a lista de ocupações reconhecidas pelo Ministério do Trabalho, constando devidamente registrada na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) sob o nº 2.534-10.

Tal é sua relevância atual, que o Marketing Digital tem nos influenciadores um aliado cada vez mais frequente.

Mas como todo profissional, a ele também cabe um conjunto de responsabilidades…

Quais as responsabilidades do influenciador digital?

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.

Possivelmente uma das frases mais importantes e conhecidas do livro “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, sintetiza pelo menos parcialmente, a contrapartida da influência exercida.

De maneira semelhante, o influencer cativa seu público e, portanto, por ele é responsável.

Mas mais do que tentar transportar esse profissional para uma condição romântica, como do clássico literário, há uma série de razões bastante fundamentadas em conceitos de Marketing, seja o tradicional ou o digital, em questões morais e até legais.

Significa dizer que a atuação do influenciador digital, precisa ser pautada em um amplo conjunto de princípios e valores bem precisos e definidos.

1. Ética

Não por outra razão, todas as entidades de classe profissionais – sem exceção – criam códigos de ética das respectivas categorias.

A ética é o conjunto princípios, de valores, de regras, de normas, que tem por objetivo nortear o comportamento perante as outras pessoas e as mais diversas situações do nosso dia a dia e em cada ato ou decisão em que é preciso adotar uma posição.

Se há a intenção que seja regulamentada como profissão, a atividade de influenciador digital, também deve se basear em ética.

Independente disso, um influencer que aparece em um vídeo, em uma live ou mesmo em fotos nas suas redes sociais, bebendo algo ou usando uma roupa, que efeitos produz na sua audiência, ainda que não seja de fato publicidade e nem exista alguma relação comercial entre o profissional e a marca envolvida?

Ou seja, é preciso lembrar a todo momento que os impactos e consequências de suas ações e que o discurso de que é preciso separar vida privada da pública, aqui não é praticável. Querendo ou não, gostando ou não, essa é uma consequência de ser uma “celebridade digital”.

Mas que mesmo que seja o seu “ganha pão”, o que ele recebe das marcas para promovê-las, não pode ferir os princípios e responsabilidades que vêm a seguir.

2. Veracidade

A responsabilidade com a verdade, é outro compromisso que deve ser a base da atuação do profissional da persuasão.

Em tempos nos quais se discute globalmente a criação de legislação que regula a desinformação e especialmente as fake news, o conteúdo produzido pelo influencer precisa contribuir para tanto.

Mais do que isso, as pessoas ouvem, leem e principalmente levam em consideração o que é dito, logo é preciso ter responsabilidade com o que é falado, o que é escrito, no próprio blog, no canal no YouTube ou nas diferentes redes sociais.

A veracidade do conteúdo, tem ainda outras implicações, como no caso da próxima responsabilidade.

3. Formação

Os conteúdos com função de formar, informar, disseminar conhecimento e o seu papel cultural e na educação, têm crescido.

Há influenciadores que são professores e que agora usam as plataformas para exercer sua atividade além da sala de aula. Em outros casos, são profissionais que deixaram de atuar na sua área de formação, mas que compartilham seu conhecimento com os jovens e iniciantes ou ainda como se fossem consultores.

Seja qual for o caso, o conteúdo deve levar em consideração os impactos de uma eventual imprecisão nas informações e nos dados apresentados. Há quem diga que esse é o papel da faculdade ou da universidade, mas se há influência, há responsabilidade para além dessas esferas.

4. Responsabilidade social

Outro ponto que vem ganhando destaque e importância em todas as áreas, é a responsabilidade social.

O que o influenciador diz, pode mudar / impactar de modo importante, às vezes até para pior a vida de uma pessoa.

Muitos usam técnicas de motivação, pesquisas científicas e estudos, entre outros recursos, para produzir engajamento nos seus seguidores, como é o caso daqueles que atuam como os personal trainners, porém no meio digital.

E nesse caso em particular, há ainda outro – o próximo – desdobramento associado.

5. Saúde

É comum encontrar dicas de exercícios, de dietas ou de alimentação que prometem resultados quase milagrosos, ou quem sabe atletas que também são influenciadores, postando seus treinos e incentivando, mesmo que não explicitamente, que seus seguidores façam o mesmo para alcançar resultados iguais ou semelhantes.

Conteúdo relacionado com a saúde e a integridade física, precisa ser cercado de muitos cuidados.

E há até casos em que uma proposta aparentemente inocente, pode ter consequências indesejáveis. É por exemplo, o caso das “mães blogueiras”, que dão dicas de alimentação que praticam com seus filhos. Quantas têm conhecimentos de nutrição e pediatria para embasarem as informações que dão?

A intenção pode ser ótima, mas as consequências, podem não ser tão boas assim.

6. Segurança

Relacionado ao aspecto anterior, há também a segurança em caráter mais amplo e, portanto, vai além da integridade física, como no caso da segurança no próprio ambiente digital.

O quão seguro é para os seguidores o conteúdo apresentado? Em tempos nos quais a segurança digital também é uma preocupação, ela também precisa ser considerada.

Mas é ainda mais amplo. Segurança pode envolver desde produtos sensíveis, como bebidas alcoólicas, ou talvez o uso de ferramentas, nos famosos canais de “faça você mesmo”, tutoriais ou DIY (Do It Yourself), ou ainda o influencer atleta que exibe o vídeo descendo em sua bicicleta uma serra a 90 Km/h.

Também deve-se atentar com a forma como é transmitida a informação, partindo de presunções ou admitindo uma condição que não é verificável, como no caso de leigos no assunto e que podem não saber como proceder do modo correto.

7. Credibilidade

É preciso ser coerente em relação à imagem criada e a credibilidade que o permite influenciar terceiros.

Quantas vezes e em quantos casos não vemos a mudança de marca patrocinadora, mas não se trata apenas de uma troca qualquer, mas de marcas concorrentes.

E o pior quando o discurso que acompanha uma e outra, sugere que são as melhores. Afinal, qual é a melhor? A anterior ou a atual?

Devemos lembrar que um “bom” influenciador digital é capaz até de interferir na reputação digital de uma marca, emprestando um pouco da sua própria, ao dar qualquer tipo de aval a ela.

Em resumo, a credibilidade conseguida pelo profissional de influência, é análoga e não pode ser dissociada da confiança dos clientes nos produtos, empresas e suas marcas.

8. Transparência

Há casos em que o profissional da influência é tão convincente, que parece ser capaz de fazer qualquer um acreditar em qualquer coisa. Inclusive alguns até têm se aventurado como atores e atrizes, tão boa é sua capacidade de representar papeis.

De fato ele usa as marcas e produtos que ele aparece nas fotos, nos vídeos, nas lives ou é uma publicidade “disfarçada” de uma marca patrocinadora?

O princípio básico e essencial da relação de influência, é novamente a confiança. Ou seja, o próprio influenciador deve zelar pela mola motriz que o seu patrimônio – seu público – deposita nele. Sem transparência, não há como haver confiança.

Cabe salientar que ainda que nem tudo seja publicidade, mas seja só uma opinião, um gosto pessoal ou uma simples opção, é um endosso ou ao menos um estímulo para que se consuma aquele produto, aquela marca. “Se o Fulano usa, deve ser bom”, costumamos pensar.

Nas ditas “mídias tradicionais”, como por exemplo, na televisão, é óbvio e evidente que o que aparece no intervalo comercial, é publicidade ou até mesmo o conhecido merchandising, quando aparece em um programa da emissora.

Mas e quanto a isso no conteúdo do influenciador? Pode ser muito sútil a diferença, sobretudo, porque a variedade de formatos e situações, é muito mais ampla do que na TV.

9. Econômica / financeira

As consequências do que se sugere, muitas vezes são de caráter econômico / financeiro.

Aliás, essa é uma motivação frequentemente associada aos conteúdos apresentados, seja literalmente incentivando a que se faça o mesmo para alcançar o mesmo sucesso, seja de modo mais sutil, por meio de ostentação.

Mostrar o seu padrão de vida, acaba sendo uma espécie de “prova social” de que aquilo que ele defende, é verdade.

10. Alcance

Devemos lembrar que há vezes e casos em que um conteúdo viraliza e pode ir bem além da base de seguidores, de inscritos ou de pessoas que costumam ver, seja por compartilhamento, seja passando a fazer parte do conteúdo de outros usuários.

Significa lembrar que a Internet não conhece fronteiras geográficas e nem temporais, afinal quantos não são os casos de conteúdos que não tinham a proposta, mas viralizaram muito tempo depois de terem sido feitos.

É preciso discernimento e calcular as possíveis consequências, porque às vezes as mensagens chegam para quem acredita e para quem não, para quem era direcionada, mas também para aqueles que não.

11. Responsabilidade Civil

A última responsabilidade, não é a menos importante. Ao contrário e é a que envolve o maior número de cuidados.

Resumidamente, o conceito de responsabilidade civil se relaciona ao princípio de não prejudicar ou não produzir qualquer tipo de dano ou perda ao outro e que envolve as situações nas quais alguém pode ser responsabilizado se isso ocorrer.

O primeiro e um dos principais cuidados que se deve tomar nesse sentido, é a publicidade dirigida para crianças e adolescentes. Quando feita com tal propósito, ou seja, de ser publicidade e destinada a esse público, ela é ilegal!

Outro ponto, é que o Código de Defesa do Consumidor (CDC), estabelece que o que tem caráter de publicidade, precisa aparecer como tal, uma vez que o grau de influência pode variar quando está claro e distinto o que é opinião e o que é publicidade.

Se uma marca ou empresa de alguma maneira e em alguma medida interfere no conteúdo do influencer, pode ser caracterizada como de finalidade publicitária e, portanto, o referido conteúdo deve ser claramente identificado como publicitário, por meio do uso das expressões: “publicidade”, “publi”, “publipost” ou outra equivalente.

Nos casos em que estimula o engajamento da audiência no sentido de consumir o produto ou serviço, também é interpretável como de cunho publicitário, como nos casos dos desafios, por exemplo.

Mas é questionável, mesmo quando não há a intenção, nos casos dos recebíveis, dos reviews, das avaliações e dos comparativos, especialmente quando as conclusões são claramente favoráveis à marca envolvida.

Leva-se em consideração, que no papel de consumidores, quando emitimos nossa opinião a um amigo, parente, ou conhecido, fazemos esperando que essa manifestação contribua para a decisão de quem a recebe, em algum nível.

Nos processos que tem ocorrido e em muitas das decisões tomadas, o influenciador tem sido responsabilizado civilmente por aquilo que ele indica.

Algumas vezes, até a rede social ou plataforma também tem sido responsabilizada, especialmente quando ela tem ganho monetário com base no conteúdo publicado ou se o algoritmo da plataforma contribuiu para disseminar e ampliar um conteúdo de promoção de produtos / marcas.

Conclusão

Influenciadores digitais alcançaram um status privilegiado e desejável, mas sua condição deve pressupor uma conjunto de responsabilidades como profissional.

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