O que é preciso saber do Código de Defesa do Consumidor?
Cobrar o valor do sabor mais caro pela pizza meio a meio, é certo? A empresa pode recusar-se a trocar uma mercadoria? E dar “balinhas” na ausência de troco?
Como empresa ou como consumidor, há várias situações na relação comercial que podem suscitar dúvidas e impasses, muitos dos quais estão previstos no conhecido Código de Defesa do Consumidor.
Além de responder as três perguntas iniciais, vamos ponderar sobre seu uso e de que modo ele deve influenciar ou mesmo amparar as relações de consumo.
O que é o Código de Defesa do Consumidor?
O conhecido Código de Defesa do Consumidor – muitas vezes também chamado apenas de CDC – é nada mais do que a Lei nº 8.078, em 11 de setembro de 1990, a qual consiste de um conjunto de normas que trata das relações de consumo mais frequentes e que entrou em vigor 180 dias após a sua publicação e, portanto, em 1991, ainda no governo de Fernando Collor.
Ele foi criado uma vez que a Constituição de 1988 estabeleceu a defesa do consumidor como direito e garantia fundamental do cidadão, já que até então quaisquer eventuais questões eram tratadas sob o que determinava o Código Civil.
Desde que entrou em vigor, a lei sofreu alterações e recebeu parágrafos que ampliam os entendimentos de vários aspectos que não eram especificados pelo texto original.
Basicamente o CDC é um conjunto de normas de regulação das relações de compra de produtos (ex: alimentos e roupas), de bens duráveis (ex: automóveis e eletrodomésticos), bem como prestação de serviços (ex: planos de assistência médica e seguros).
A necessidade de normatizar tais relações, vem de três entendimentos principais:
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O primeiro, é que há direitos e deveres de ambas as partes e por isso e apesar do nome, quem vende também têm direitos;
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Pelo segundo entendimento, clientes são a parte mais vulnerável da relação, tanto pela de sua eventual falta de conhecimento técnico sobre o serviço ou produto, como também sua desvantagem econômica, especialmente no caso de grandes empresas, razão pela qual em casos dúbios, costume-se privilegiar o consumidor;
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Por fim, o terceiro tenta preservar o consumidor de possíveis prejuízos na aquisição de produtos e serviços.
Em termos do quotidiano, especialmente no varejo, muita gente já deve ter visto o código, pois desde 2010 a Lei Federal nº 12.291/2010, determina que todos os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, devem manter em local visível e de livre e fácil acesso aos consumidores, pelo menos um exemplar do CDC.
Qual a importância do CDC para a empresa?
Naturalmente que toda empresa – até mesmo as menores – precisa conhecer o que está previsto no CDC em termos de direitos e deveres, para constituir uma relação fundamentada na legalidade perante seus consumidores, do contrário e dependendo das circunstâncias, o descumprimento pode gerar multas e até em alguns casos, pena de reclusão de até 2 anos, cassação do alvará de funcionamento e a suspensão das atividades exercidas.
Para além de manter-se dentro da lei, há outras questões que implicam no bom conhecimento da Lei 8.078/1990:
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Administração – a administração do negócio em termos de procedimentos operacionais padrão, deve considerar o que determina a lei, pois há prazos e situações que nela são estipulados e que se não cumpridos, significam seu descumprimento;
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Treinamentos – os treinamentos de colaboradores que prestam qualquer nível de atendimento, devem contemplar as situações que eventualmente ocorrem e que nela estão previstas. Desde o que se diz e o que se faz, passando pelos procedimentos a serem adotados quando um cliente invoca qualquer aspecto da lei;
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Políticas da empresa – as políticas da empresa devem considerar o cumprimento integral da lei em todos os seus artigos e parágrafos e quando possível ir além, especialmente visando a questão da imagem perante o mercado e seu público, o Marketing – o tradicional, o digital e também o de relacionamento;
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Termos de prestação de Serviço – termos de prestação de serviços e contratos, precisam estar dentro do rigor da lei, que é soberana mesmo que conte com a anuência e tenha sido assinado pelo cliente;
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Sistemas – sistemas (software) também precisam atender o que determina do CDC e as situações que eventualmente ocorrem, como no caso do sistema que calcula o valor de um pedido de pizza feito por um site mobile ou app ou mesmo por atendimento telefônico e que veremos logo a seguir;
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Relacionamento com fornecedores – atender o que é direito dos consumidores, muitas vezes também passa por construir boas relações com fornecedores e que eles tenham o mesmo compromisso, até porque a lei determina responsabilidade solidária entre os atores da cadeia de fornecimento.
Porém a prática demonstra que muitos negócios mesmo sendo obrigados a manter um exemplar acessível e visível, não praticam rigorosamente o que o Código de Defesa do Consumidor determina.
Consideremos as três perguntas que abrem esse nosso bate papo.
O correto ao pedir uma pizza de dois sabores diferentes, a famosa pizza meio a meio, é que o estabelecimento cobre pelo valor proporcional, ou seja, a soma dos valores divididos por dois.
No caso de uma que custe R$ 50,00 e a outra, R$ 40,00, o valor correto é R$ 45,00!
No entanto, é prática da maioria cobrar pelo valor da maior, o que fere ao estipulado no CDC e constitui prática abusiva.
Em seu artigo 42, é estabelecido que o consumidor que sofrer uma cobrança indevida, tem direito a receber de volta o valor pago a mais em dobro, acrescido de correção monetária e juros legais, exceto quando ocorre por engano justificável.
Portanto, no exemplo se você pagou R$ 5,00 a mais do que deveria, deve receber R$ 10,00 e caso o estabelecimento se negue a fazê-lo, estará infringindo a lei e sujeito a todas as penalidades previstas.
E dar “balinhas” como troco? Essa outra prática tão comum, também é ilegal, conforme dispõe o artigo 39, incisos I, V e X da lei.
Em casos assim, o estabelecimento deve arredondar o valor da compra para baixo, até que tenha o troco adequado.
Quanto à terceira pergunta, a resposta varia de acordo com o caso, mas imaginemos uma das situações mais típicas e que são os dias de troca que ocorrem depois das festas de final de ano e datas como o Dia das Mães.
Segundo o CDC, desde que não exista defeito ou vício (de fácil percepção ou oculto), ou em outras palavras, o produto estiver em perfeitas condições, não há obrigatoriedade de troca por parte do fornecedor quando a venda ocorreu presencialmente.
A exceção – conhecida como direito de arrependimento – ocorre nas compras por impulso feitas fora do estabelecimento comercial, como no caso de telemarketing, catálogos e nos últimos anos, pelo comércio online, lembrando que por ocasião da sua elaboração, os sites de e-commerce não existiam e nem mesmo Internet era um esboço do que é hoje.
No entanto, a grande maioria dos lojistas não se opõe a fazer as trocas e não costuma burocratizar o procedimento.
Isso nos leva a um ponto importante.
O Código de Defesa do Consumidor não deve ser visto como um instrumento para punir ou conceder direitos exclusivamente aos clientes, o que inclusive vimos que não é verdadeiro, mas para balizar um relacionamento cordial, amistoso e que visa a satisfação do público consumidor.
Mesmo não sendo um direito previsto no CDC, uma empresa não precisa – e em alguns casos não deve – restringir-se a ele e pode ter uma política comercial mais ampla e flexível, desde que não fira a algum dos pontos nele previstos ao ir além.
Por que e quando ir além do CDC?
Como vimos no caso de trocas, é razoavelmente comum que empresas façam mais do que o CDC determine e que baseia-se em pensar que ao fazê-lo, estão construindo uma relação mais duradoura e cordial com seus clientes.
Não deveria ser preciso haver uma lei que determine o que é direito, o que é correto e ético, mas infelizmente não são todos que compreendem que o consumidor tem um senso crítico e é capaz de perceber quando uma empresa o lesa em algum nível.
Não apenas cumprir todos os aspectos do código, mas ir além, justifica-se pelos seguintes aspectos:
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Carteira – empresas para as quais os direitos dos seus clientes são inegociáveis e que vão até além, costumam perder menos clientes para a concorrência e têm menos clientes inativos e menores taxas de churn;
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Reputação – em tempos de redes sociais, avaliações em serviços como o Google Maps, sites de reclamação, os clientes passaram a ter voz e por isso, o tratamento que os clientes recebem, passou a ser determinante na construção da sua reputação digital;
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NPS – o Net Promoter Score é uma medida do quão disposto um cliente está em indicar sua marca a um amigo ou parente e que entre muitos fatores, recebe influência do quão correta é uma empresa no atendimento prestado;
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Operacional – o custo e infraestrutura operacional relacionada ao atendimento ao consumidor e decorrente de problemas nas relações de consumo, também tende a diminuir, porque POPs (procedimentos operacionais padrão) são otimizados, as políticas da empresa são orientadas a satisfação, há menos impasses para serem resolvidos e questões judiciais, pós-vendas mais orientado à próxima venda do que a resolver questões da anterior, entre outros;
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Experiência de consumo – ao constituir e garantir uma ampla gama de direitos, evita-se constrangimentos e proporciona-se uma experiência mais satisfatória. Mesmo sabendo de seus direitos, alguns clientes não reclamam e não os reivindicam, pelo constrangimento perante os demais clientes, mas certamente se manifestarão indo para um concorrente que saiba respeitá-lo sem que tem que pedir por isso.
Assim, sempre que uma situação de consumo acontecer, mais do que procurar saber se o cliente tem razão e se há algum parágrafo do código que lhe dá amparo, ponha na balança e considere os fatores todos que apresentamos.
Conclusão
O CDC não deve ser visto como obrigações da empresa, mas como o mínimo para construir uma relação, justa, duradoura e cortês com quem ela chama de cliente.