Qualidade dos produtos / serviços, não importa mais?
Cada vez mais os hábitos de consumo e, sobretudo, as decisões de compra, vem sendo influenciadas por fatores diferentes daqueles considerados no passado.
Qualidade dos produtos / serviços, não importa mais?
Sim, ainda é importante, mas já não ocupa o mesmo lugar que teve no passado!
Quer entender o que é relevante, quais as principais motivações e as novas necessidades e desejos do consumidor moderno?
Então se junte a nós nesse bate-papo.
Por que qualidade não importa mais?
Essa é uma pergunta retórica, proposta intencionalmente para nos aprofundarmos no tema e termos uma visão atualizada do conceito de qualidade.
Em outras palavras – e já a respondendo – sim, qualidade ainda é muito relevante!
Ocorre que os fatores que determinam a boa qualidade de algo, cada vez mais consideram aspectos que vão além das matérias-primas utilizadas, da boa construção / fabricação, da durabilidade do produto, do bom funcionamento e de outras características que tradicionalmente valorizávamos até pouco tempo atrás.
Hoje, opinar sobre o quão bom um produto ou serviço é, envolve questões muito mais subjetivas e de caráter emocional, como validação social, o estilo de vida e o status proporcionado.
Vivemos a era da percepção.
A qualidade deixou de ser apenas uma métrica técnica e passou a ser também a experiência de consumo associada. Um produto ou serviço pode ser tecnicamente inferior, mas se entrega pertencimento, estilo ou narrativa, ele conquista. E isso tem cada vez mais peso na formação da opinião dos consumidores.
Quer um exemplo?
Pense em algo que todo mundo tem: um smartphone.
É um mercado com inúmeras alternativas, onde há modelos com especificações técnicas excelentes – maior capacidade e duração da bateria, mais memória, câmeras de alta resolução – mas que, ainda assim, não são os mais desejados.
O que faz um iPhone, por exemplo, ser visto como “melhor” por muitos não é apenas sua performance no uso diário, mas o que ele representa: status, exclusividade, pertencimento a uma comunidade.
Compare com algumas marcas chinesas que oferecem o que há de melhor em tecnologia embarcada, muitas vezes com mais recursos e por um preço bem inferior. Ainda assim, não geram o mesmo desejo.
Isso basta para reforçar que boa qualidade, hoje, é também sobre narrativa, sobre o estilo de vida, ou quem sabe, validação social.
O “novo” consumidor, movido por emoções e validação social
Hoje em dia, principalmente entre as novas gerações, ninguém compra só porque precisa ou porque o produto é útil e bom. A razão na hora da escolha e a funcionalidade ainda contam, claro, mas não bastam.
Agora, o que pesa mesmo, são as emoções, os valores pessoais e aquela vontade de se sentir parte de algo maior. Comprar virou uma forma de mostrar quem as pessoas são ou quem querem ser. É quase como contar uma história sobre si mesmo, usando para isso, as escolhas que são feitas.
Por isso, as marcas que conhecem e usam a psicologia do consumidor, são capazes de compreender esse lado mais emocional e sabem se conectar com o consumidor de forma autêntica, criando laços muito mais fortes. Elas não vendem só produtos com características e seus respectivos benefícios, mas vendem também propósito, estilo e atitude, por exemplo.
E tem mais: não basta o produto ser bom. As pessoas querem saber quem fez, como foi feito, o que aquilo representa. Tudo isso importa tanto quanto o que está na embalagem.
Quer um exemplo prático?
Antigamente, ao comprar um boné, bastava que ele protegesse do sol, tivesse um bom acabamento e fosse durável. Hoje, quem compra, quer saber se foi feito de material reciclado, se a marca apoia causas sociais e se representa os valores do grupo ao qual ele pertence ou quer pertencer.
Ele não está só comprando um acessório, está escolhendo um símbolo que diz algo sobre ele.
As vitrines digitais
Hoje, muita gente não compra só pra usar, mas para mostrar, para ser visto.
As redes sociais, entre muitas coisas, tornaram-se uma espécie de vitrine digital para o mundo, onde cada escolha de consumo, pode virar conteúdo que interessa. E isso muda completamente a forma como os produtos são desejados.
Não é só sobre ter algo de fato bom, mas sobre ter algo que acima de tudo, pareça bom, pareça legal, atual, tanto na foto, como no vídeo, ou no story. O produto precisa ser “instagramável”, ou seja, bonito, estiloso, com aquele visual que chama atenção e que renda curtidas, comentários e até compartilhamentos. Se preferir, precisa produzir engajamento.
Além disso, os influenciadores digitais têm responsabilidade imensa no alcance que essa vitrine tem. Eles não só mostram o que usam, mas ditam as tendências e criam desejo. Se um criador de conteúdo posta uma experiência incrível num café, por exemplo, é bem provável que muita gente vá lá só pra viver – e postar – a mesma coisa.
A preocupação primeira, nem é se o café é de fato bom, mas se o conjunto das experiências parece bom.
E tem mais. O ambiente, as pessoas, a embalagem, o atendimento e tudo que estiver associado, importa, pois o consumidor quer viver algo que ele possa compartilhar. A experiência precisa ser visual, marcante e, de preferência, com potencial de viralizar.
Pense em um restaurante. A comida pode ser pouca e cara, mas se foi feita por um “chef” conhecido, se a apresentação do prato for especial, se o lugar tiver uma decoração única e se houver um cantinho perfeito pra tirar foto, pronto, reuniu todos os ingredientes para se tornar uma febre.
Muitas vezes, a comida nem é a melhor que se pode ter, mas se o restante todo render uma boa postagem, é sucesso garantido!
Status, exclusividade e o desejo de se destacar
Por conta da exposição, da visibilidade que as pessoas têm e que comentamos anteriormente, consumir virou também uma forma de mostrar aos outros o seu posicionamento, ou se preferir, o que você compra, diz muito sobre quem você é, ou quem você parecer ser.
Não se trata mais apenas de possuir algo de reconhecida boa qualidade, mas se possível, que também seja exclusivo, diferente, que seja acessível a uns poucos privilegiados. O valor simbólico supera o valor monetário e funcional.
Para quem isso conta, um relógio raro, ou uma bolsa de edição limitada, não importando o preço, o qual nem precisa ser elevado, desde que seja desejado, seja cobiçado, fará com que cada centavo pago, renda um status único e destacado.
A lógica é: “se poucos têm, eu quero ter, eu preciso ter”.
Não é por outra razão, que crescem sem parar, os produtos lançados com data e hora marcada, com disponibilidade reduzida, provocando filas e que esgotam em minutos, resultado da criação artificial de demanda, ou seja, as pessoas não precisam ter, mas querem mostrar que estão à frente, que têm o que quase mais ninguém tem.
Esse desejo também se manifesta de outras maneiras, quando por exemplo, as marcas se juntam a artistas, celebridades, influenciadores ou designers, para criar produtos supostamente únicos. Aqueles que os conseguem, obviamente compartilham a compra, como uma conquista, como se fosse um troféu.
Cada exibição, contém uma mensagem subliminar do tipo: “veja quem sou eu”, “veja onde estive”, “veja o que eu consegui” e que em parte explica o crescimento dos mercados de luxo e premium.
Experiência antes da funcionalidade
Hoje, não basta que um produto funcione bem, ele precisa encantar em vários aspectos.
Os consumidores valorizam cada vez mais a experiência por inteiro e sabendo disso, que muitos sites de classificação dos mais variados serviços, apresentam uma variedade de métricas que tentam mostrar aos demais consumidores, o tipo de experiência que eles podem vivenciar, seja incentivando a postagem de fotos, de comentários, dados mais específicos (tempo de espera, ambiente, serviços associados, etc), como é o caso das avaliações do Google.
As empresas que entendem isso, buscam criar conexões emocionais com os seus clientes das mais diferentes maneiras, investindo em detalhes que a maioria dos concorrentes negligenciam. Vão além do comum, do básico, porque sabem que uma ótima experiência, também contribui para a fidelização e constituem importantes provas sociais perante os demais consumidores.
Algumas marcas aprenderam bem essa lição, como é o caso do Nubank, um banco totalmente digital, sem nenhuma agência física, mas que entre os pontos de maior destaque por parte dos seus clientes, consta o atendimento humanizado que presta, por contraditório que isso possa parecer.
Mesmo oferecendo funcionalidades semelhantes às de outros bancos, o Nubank se tornou referência por transformar algo burocrático e estressante, em algo leve e acessível, graças a um aplicativo projetado para ser fácil e intuitivo de usar, bem como evitando a burocracia e a complexidade nos atendimentos prestados pelos concorrentes.
O cartão roxo virou símbolo de modernidade, praticidade e até estilo de vida.
A experiência do cliente é tão valorizada que muitos usuários recomendam o serviço não só pela funcionalidade, mas pelo sentimento de autonomia e controle que ele proporciona.
Consumo consciente ou consumo de aparência?
Nos últimos anos, muita gente começou a se preocupar com outros aspectos associados às escolhas feitas, como a sustentabilidade, a responsabilidade social, a governança corporativa (pauta ou agenda ESG), a diversidade, a inclusão, ou o compromisso com a ética.
É essencial que tudo isso venha sendo considerado ao optar por uma marca, mas a questão aqui, é o comportamento decorrente – o consumo de aparência.
Ou seja, para muitas pessoas, não basta consumir de forma consciente, mas mostrar que se está fazendo isso.
A intenção e os possíveis desdobramentos, até podem ser positivos, mas às vezes o foco sai da causa e vai direto pra imagem que se quer transmitir. Ou seja, ao agir assim, o consumidor quer parecer engajado, atualizado e responsável, mas no fundo, a motivação deixa de ser real, passando a ser muito mais uma encenação.
E se não fosse suficiente, é claro que as marcas também já perceberam isso.
Muitas empresas usam discursos bonitos, mas não têm práticas legítimas nos bastidores. É o famoso greenwashing, quando uma marca finge ser sustentável só pra agradar o público, prática que mencionamos no post “Marketing Verde, o Marketing do futuro do mundo”.
Essa postura fica evidente no consumidor que troca de celular todo ano, mas defende a bandeira da sustentabilidade, sem se dar conta que na verdade está contribuindo para o aumento de e-lixo. O discurso e o comportamento, caminham em direções opostas.
Do lado das empresas, proliferam as marcas que lançam coleções “sustentáveis”, com etiquetas verdes e campanhas cheias de palavras como “consciência” e “responsabilidade”, mas que têm imensas cadeias produtivas, fazendo uso de mão de obra barata e produzem impacto ambiental altíssimo.
O resultado de posturas assim, é que a “causa” é puramente aparência e o consumo consciente, é apenas discurso vazio.
Qualidade ainda importa e muito...
Depois de tudo o que vimos até aqui, deve estar claro que a boa qualidade de produtos / serviços, continua sendo importante, mas não basta e não é mais o fator determinante nas escolhas. Ela virou pré-requisito básico e fundamental, o mínimo esperado.
Se o produto não funciona bem, nem é considerado.
E apesar de todas as mudanças no comportamento do consumidor, a qualidade continua sendo essencial.
Ela pode não ser mais o grande diferencial, mas ainda é o que sustenta a reputação, a imagem de uma marca no longo prazo.
Se falta qualidade, os demais fatores – as emoções, a validação, a vitrine, a experiência, etc — perdem força com o passar do tempo.
O que mudou foi o que o consumidor considera como sendo “qualidade”. Hoje, ela inclui fatores subjetivos, emocionais e simbólicos, mas não implica que os aspectos técnicos deixaram de ter importância. Ao contrário, afinal se a embalagem seduz, mas o produto decepciona, em algum momento ele perceberá.
Mais ainda, já que os fatores subjetivos são voláteis e temporais.
As tendências mudam (por isso são tendências), os estilos evoluem e as narrativas são revistas. Quando tudo isso muda, é a qualidade real que mantém a marca competitiva. Ela é o que garante que, mesmo quando o hype muda, o produto continue sendo o escolhido.
Por isso, marcas que querem se destacar, precisam estar atentas ao todo, porque no fim das contas, o consumidor pode até comprar uma ou duas vezes levado pela emoção, mas só volta se a qualidade estiver presente em todas as ocasiões.
Conclusão
Em um cenário de constantes e rápidas transformações, é a qualidade que sustenta a marca e garante sua competitividade diante da concorrência.