Cuidados dos pais com as crianças e a publicidade online

Não há apenas uma lei específica tratando do assunto, mas sim diversos dispositivos dentro do ordenamento jurídico brasileiro, que visa a proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes quando o assunto é a publicidade dirigida a tal público.

Sendo assim, é essencial que os pais tenham conhecimento do conjunto de questões que envolve o assunto, de tal forma que possam se cercar dos cuidados e saibam adotar as medidas necessárias quando os direitos dos seus filhos e sua segurança de alguma maneira forem ameaçados.

A publicidade online e as crianças

Excesso de publicidade online é condição tão presente e por tanto tempo, nos mais diferentes usos que fazemos da Web, que a maior parte de nós simplesmente se acostumou e de certa forma já criou uma espécie de “filtro automático” para selecionar e diferenciar o que realmente interessa, do que está lá para supostamente atender nossos desejos e necessidades como consumidores.

Para outros, simplesmente é aceitável e compreensível ter conteúdos grátis na Internet, em troca de um pouco de chateação e aborrecimento para ver um vídeo, ler um texto ou quem sabe usar um app interessante e/ou útil.

Mas há também os que simplesmente não têm paciência e nem a compreensão de que no mundo digital, tal como no real, não existe almoço de graça e recorrem a um bloqueador de anúncios.

O problema desse comportamento de qualquer dos três grupos a que se pertença, é que deixamos de analisar quando o Marketing Digital avança os limites da ética, da privacidade, do abusivo e até da legalidade.

E se tais limites não são respeitados em relação ao indivíduo adulto, o que dizer das crianças e adolescentes?

A exposição das crianças

Em 2022, foi divulgada pela pesquisa TIC Kids Online Brasil, referente ao ano de 2021 e conduzida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), que 96% das crianças brasileiras entre 9 e 17 anos, são usuárias de Internet, acessando todos os dias ou quase diariamente.

Nesse universo, 81% foram expostos a conteúdo publicitário na Internet, embora a maioria não reconhecesse como propaganda. Por outro lado, 56% confirmaram algum tipo de interação com conteúdos de produto ou de marcas, sendo que as meninas foram mais expostas, particularmente a publicidade de cosméticos, roupas e sapatos.

Segundo Luísa Adib, Coordenadora da Pesquisa TIC Kids Online Brasil, os sites cujo conteúdo é baseado em vídeos (67%), foram os principais meios pelos quais as crianças e adolescentes tiveram contato com propaganda ou publicidade online.

Além disso, 88% desse público, revelou ter pelo menos um perfil / conta nas redes sociais:

  • O WhatsApp é o mais usado, sendo acessado por 78% dos jovens entre 9 e 17 anos;

  • A seguir na preferência das crianças e adolescentes, estão o Instagram (62%), TikTok (58%) e Facebook (47%);

  • O Tik Tok é a rede favorita para as crianças de 9 e 10 anos, utilizada por 35% deles. Entre os adolescentes de 15 a 17 anos, o preferido é o Instagram com 51% de adesão, seguido pelo TikTok com 32% de popularidade.

Ou seja, a quantidade de crianças que tem acesso e utiliza a rede mundial de computadores e, portanto, está exposta à publicidade de todo tipo e incluindo aquela direcionada ao público infantil, é imensa.

E muitas vezes a publicidade nem tem “cara” de publicidade.

Estamos falando das muitas formas como ela pode ser apresentada e que mesmos os adultos estão sujeitos.

É o caso do Marketing Digital e dos influenciadores digitais. Os famosos vídeos de unboxing de produtos ou de avaliações e que muitas vezes conta com “patrocínio” de marcas / fabricantes, é identificável como publicidade por uma criança de 7 ou 8 anos?

Isso quando não são as próprias crianças que aparecem como produtoras desse tipo de conteúdo e que é outra realidade cada vez mais comum.

Os “youtubers mirins”, desembrulham embalagens dos mais diferentes produtos destinados a sua idade e cujo objetivo é só um – produzir o desejo de posse daquele item na sua audiência.

Tal como seu público, são também crianças, mas que recebem “presentes” e são aliciadas pelas marcas para trabalhar para elas, de forma dissimulada, promovendo seus produtos por meio dos seus canais e burlando o conjunto de regras que deveria proteger as crianças do assédio publicitário. Sem contar a exploração do próprio “garoto propaganda”, aqui em mais de um sentido.

Quem é o público consumidor infantil?

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criança é toda pessoa com até doze anos incompletos. A partir daí, até os 18 anos completos, ela é considerada adolescente.

Sendo assim, toda e qualquer comunicação mercadológica, com o objetivo de divulgar e estimular o consumo de algum produto, marca ou serviço, por parte do público entre 0 e 12 anos de idade, é classificável como publicidade infantil.

Quando ampliamos esse público e consideramos também os adolescentes, eles representam quase 30% da população, segundo Censo Demográfico 2022 do IBGE, ou mais de 60 milhões de consumidores, que apesar de muitas vezes não serem os responsáveis pela compra, têm algum nível de influência.

Segundo um guia elaborado pela Kids Corp, uma organização que trabalha para crianças, adolescentes e famílias na América Latina e sua interação com marcas e conteúdos no ambiente digital, há quatro faixas nas quais se enquadram crianças e adolescentes e o nível de influência que exercem no consumo:

  1. Primeiro estágio – corresponde às crianças até 3 anos de idade, etapa na qual 100% das decisões de compras são essencialmente tomadas pelos pais ou responsáveis;

  2. Pré-escolares – essa faixa compreende as crianças de 4 a 6 anos de idade, quando já manifestam seus gostos e interesses e por esse motivo, já têm algum nível de influência na aquisição de alguns itens. 45% influenciam na assinatura de serviços de streamings e 50% interferem na compra de alimentos e bebidas;

  3. Terceiro estágio – nessa fase, a qual engloba as crianças entre 7 e 9 anos de idade, a influência cresce percentualmente em relação a anterior e abrange uma categoria maior de produtos (roupas, brinquedos, etc), sendo que 1 em cada 5, já até recebe uma mesada ou dinheiro para comprar itens que desejam, sem ter que consultar os pais;

  4. Pré-adolescentes – as crianças dos 11 aos 13 anos, compreende o último estágio, o que também conta com indivíduos para os quais os influenciadores digitais e amigos, interferem nos seus gostos e já buscam se desprender das marcas infantis. Em termos médios, 82% consomem vídeos do YouTube, 71% jogam videogame e 53% assistem diferentes conteúdos em streaming.

Não por outra razão, que estudos indicam que 80% de todos os produtos licenciados no Brasil, são destinados ao público infantil.

De fato, é uma situação facilmente comprovável na prática, quando por exemplo, temos que comprar material escolar e nos deparamos com uma infinidade de itens associados a personagens do universo infantil e a clara predileção que os pequenos têm por tais produtos, seja a mochila da boneca mais famosa do mundo, ou do garoto de 10 anos que pode ser transformar em 10 diferentes heróis alienígenas.

Publicidade infantil é ilegal?

Como dissemos, não há uma só lei específica e que determina os limites ou o que é ou não permitido em termos de publicidade infantil, mas sim diferentes dispositivos no ordenamento jurídico que tem servido de orientação nas decisões relacionadas.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), estabelece que “a publicidade dirigida a crianças se aproveita da deficiência de julgamento e experiência desse público” e, portanto, a publicidade tendo como alvo esse público, é considerada abusiva e ilegal.

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/1990) – reconhece a criança como pessoa em especial fase de desenvolvimento físico, social e emocional e busca garantir o seu melhor interesse em qualquer tipo de relação e sendo assim, assegurar os direitos das crianças com absoluta prioridade é uma obrigação compartilhada entre toda a sociedade.

A resolução nº 163 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), estabelece sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente.

Há entendimento amplo e razoavelmente consensual quanto à ilegalidade da publicidade infantil, assim reconhecida por diferentes entes federativos, como o Ministério Público, Procon, Defensoria Pública, Senacom (Secretaria Nacional do Consumidor) e até mesmo o STJ.

Portanto, direcionar publicidade ao público infantil, em qualquer meio de comunicação – seja digital ou não – ou espaço de convivência da criança, é considerada uma prática abusiva e, portanto, ilegal.

E embora não tenha força de lei, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), também mantém um Guia de Boas Práticas para Publicidade Online voltada ao público infantil.

O que fazer diante de publicidade infantil?

Uma vez que esteja claro o cenário, a pergunta que fica é: “O que fazer quando os pais identificam que seus filhos estão expostos a algum tipo de publicidade infantil?”.

É uma situação razoavelmente nova e muita gente não sabe como agir. Inclusive, a maioria simplesmente cede, como o estudo que apontou que 6 entre cada 10 mães se deixa influenciar por seus filhos na aquisição de produtos supérfluos como brinquedos, roupas e doces.

Diferentemente de outras ameaças digitais, que algumas vezes podem ser tratadas por meio de acompanhamento, conversas, educação ou até nos casos de controle parental resolve, como vimos, a publicidade online pode ser sutil, dissimulada e manifestar-se de diferentes formas.

É o caso dos jogos online, em que muitas vezes o jogador é “obrigado” a ver publicidade para receber em troca algum tipo de recurso que lhe permita avançar no jogo.

O primeiro passo, é reconhecê-la. Em geral, mas não somente, há pelo menos um ou alguns dos seguintes elementos presentes:

  • Linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores;

  • Utilização de músicas com temática infantil, ou cantadas por vozes de crianças;

  • Representação de criança ou personagens infantis;

  • Influenciadores ou celebridades com apelo e penetração junto ao público infantil;

  • Personagens, apresentadores infantis ou;

  • Desenhos animados ou de animações;

  • Bonecos, mascotes ou similares;

  • Campanhas com distribuição de prêmios ou brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil;

  • Promoções com participação em atividades ou jogos infantis.

Mas para isso, é importante que haja acompanhamento por parte dos pais e/ou responsáveis, no consumo de conteúdo online por parte dos seus filhos

Diante da constatação de que alguma empresa, marca ou produto está realizando publicidade infantil, há algumas entidades às quais é possível recorrer e realizar denúncia:

  • Observatório de Publicidade de Alimentos (OPA) – a entidade não só trabalha no combate à publicidade infantil, mas também a enganosa de modo geral;

  • Criança e Consumo – uma das principais e mais atuantes entidades nacionais que visa defender as crianças da exploração comercial;

  • Alana – o instituto / fundação Alana, é outra organização que tem uma ampla atuação em diferentes frentes, incluindo questões de impacto socioambiental e que promove e inspira um mundo melhor para as crianças;

  • Procon – os sites dos Procons do seu estado, também são um canal no qual é possível fazer denúncias.

Conclusão

Aprender como identificar e como agir diante da publicidade infantil online, é essencial para os pais, dentro do conjunto de cuidados no ambiente digital.

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