Por que não existem mais ombudsmans no Brasil?

Se você chegou aqui após ter feito uma pesquisa pelo termo, é de se supor que uma das possíveis razões da sua quase inexistência atual, não tenha lhe afetado. Mas isso é assunto para logo mais adiante.

A verdade é que de ampla adoção há poucas décadas, vivemos um período em que já quase não existem mais ombudsmans nas empresas.

Entender sua função, importância e os porquês da iniciativa fracassar por esses lados, são algumas das questões que discutiremos aqui.

O que é ombudsman?

Mais do que apenas dizer o que é, a relevância quanto ao esclarecimento do que é ombudsman, mais a frente também dará uma das possíveis razões para seu fim.

É um termo de origem sueca e, portanto, um estrangeirismo, que diferentemente de tantos outros que são largamente utilizados quotidianamente, “não pegou”. Pelo menos por parte da grande maioria dos consumidores.

Ainda no longínquo ano de 1809, a Suécia criou um cargo na administração pública, que tinha como função comprovar a observância das leis e o cumprimento das funções dos agentes públicos em questões relacionadas ao atendimento da população, adotando providências, recebendo queixas e sugestões e resolvendo eventuais insatisfações decorrentes do não atendimento dos seus direitos.

Ombudsman significa em sueco, o representante do povo.

Sendo assim, seu papel era de assegurar que atendimento aos interesses da população em questões da administração pública.

Foi um sucesso e por isso, aos poucos outros países escandinavos começaram a copiar o modelo, sendo que a Finlândia foi o primeiro a fazê-lo.

O movimento ganhou força na Europa e logo o mundo todo, até mesmo a iniciativa privada, seguiu os mesmos passos, sendo que a instituição da figura e do papel do ombudsman no segundo setor, deu-se primeiro nos jornais, em que ele deveria “defender” o leitor.

Ombudsman no Brasil

No Brasil, a Folha de São Paulo, foi o primeiro jornal a ter um ombudsman – Caio Túlio Costa. Ou seja, alguém sendo pago pelo próprio jornal para ser a “voz” do leitor lá dentro, isso no ano de 1989.

É preciso compreender o cenário da época em que empresas começaram a criar o cargo por aqui.

Pouco antes – em 1988 – havia sido elaborada e aprovada a Constituição vigente – a chamada Constituição Cidadã –

e que entre outras coisas, estabelecia a defesa do consumidor como garantia fundamental e que culminaria no surgimento em 1990, do Código de Defesa do Consumidor ou apenas CDC.

A década de 90 também trouxe o avanço da globalização e a abertura de mercado. Com isso, o aumento da competitividade, fazendo com que cada vez mais as empresas enxergassem a importância de atender as demandas dos consumidores.

Foi então que grandes redes varejistas também aderiram a ideia. Não era raro na época, ver no setor de atendimento a clientes das lojas, cartazes com fotos, nomes e textos estimulando os clientes a entrarem em contato com seus ombudsmans.

Na maior parte das vezes, pessoas mais maduras, lembrando uma mãe ou até uma avó, sorridentes e com postura receptiva.

Queremos te ouvir”, “fale o que você pensa de nós”, “nossa obudsman quer saber o que você acha do nosso atendimento”, eram exemplos dos convites feitos e que constavam abaixo da foto e acima o título ombudsman, até então desconhecido da grande maioria.

Qual a importância do ombudsman para as empresas?

Seja no Brasil, seja em outras partes do mundo, a presença do ombudsman nas empresas tornou-se quase que obrigatória, demonstrando que havia concordância quanto a sua importância.

Quando se pensa até no estereótipo, na imagem muitas vezes buscada das pessoas que ocupavam o cargo, a figura da mulher, mãe ou avó, sorridente e com expressão convidativa ao diálogo, era um claro indicativo do que se pretendia.

Era a personificação da confidência, da experiência, da compreensão. Simbolizar a pessoa que cuida e zela pela família e tudo o que ela necessita. É também quem tem a sensibilidade para interpretar e escutar e não apenas ouvir.

Mas mais do que essa visão quase romântica, na prática o ombudsman por paradoxal que pareça, é quem tem o papel de defender os interesses dos consumidores dentro da empresa. Ou seja, um papel antagônico.

Diferentemente do call center, da central de atendimento, do suporte ou independente dos nomes que se deem, ele vai um pouco além das regras, das normas, dos procedimentos operacionais padrão e por mais que a primeira linha de atendimento seja encarregada da satisfação dos clientes, antes ela é comprometida com os interesses da empresa.

O ombudsman inclusive entra em cena quando o atendimento padrão falha em qualquer medida, contando geralmente com maior autonomia para ir além, fazer concessões extras, abrir exceções e até mesmo quando necessário e oportuno, instituir novas políticas.

Foi um passo importante na busca de constituir empresas de fato orientadas ao cliente, afinal ao voltarmos na origem sueca do nome, deveria ser um representante do povo!

Qual a diferença de ombudsman e ouvidoria?

Muitos devem estar se perguntando qual a diferença entre ombudsman e ouvidoria, certo?

É natural a confusão, afinal na prática e nos objetivos finais, há quase nenhuma diferença.

Mais rigorosamente o termo ouvidoria está relacionado à administração de serviços públicos, como saúde e educação fornecidos pelo Estado. Todavia, também não é raro seu emprego na iniciativa privada.

Seja em qual for o caso, ouvidoria costuma pressupor mais do que um cargo, mas uma área com profissionais cujo propósito é muito semelhante ao do ombudsman, sendo que aquele que desempenha função análoga, é o ouvidor.

Mas como departamento da empresa, pode haver um gestor e pessoas com funções específicas, como tabulação de dados, levantamentos estatísticos, relatórios, condução de procedimentos administrativos, ou seja, atua tal como os assistentes administrativos de outras áreas, porém em relação às rotinas da ouvidoria.

Normalmente é assim em grandes empresas e que incentivam seus clientes a recorrer à ouvidoria, sempre que for necessário.

Por que as empresas não têm mais o ombudsman?

Se é tão importante e ainda tem papel tão ativo em alguns países, por que no Brasil o ombudsman quase já não existe mais nas empresas?

Não há apenas uma razão. Os especialistas em atendimento, elencam muitas:

  • O termo – apesar dos estrangeirismos estarem presentes em muitas áreas, a maioria há de convir que ombudsman não é fácil de falar, de ler, de lembrar e até de escrever. Diferente de muitos termos em inglês, sua grafia e sua pronúncia, não ajudam;

  • Conhecimento – somado ao aspecto anterior, muitas pessoas viam o termo, mas simplesmente não tinham conhecimento do que se tratava e/ou não compreendiam o papel e importância para elas como consumidores. Esta e a razão anterior, fizeram com que muitos profissionais fossem subutilizados ou mesmo ficassem ociosos;

  • Autonomia – algumas empresas não conferiram a autonomia que o profissional deveria ter para cumprir de modo eficaz seu papel e acabaram atuando apenas figurativamente;

  • Marketing – muitas empresas demonstraram não compreender a essência da atividade e instituíram os ombudsmans mais como um componente de Marketing junto aos consumidores e que muitas vezes somando-se à falta de autonomia para levar a cabo as mudanças necessárias, tornaram-nos pouco úteis;

  • Internet – a Internet e particularmente as muitas ferramentas que ajudaram a dar voz aos consumidores, como as redes sociais, contribuíram estreitar a comunicação com as empresas e que era um dos papéis do ombudsman;

  • Cultura – culturalmente falando, os consumidores não estavam acostumados com uma postura receptiva e sincera por parte da empresa em escutá-los. Sempre foi mais para o lado de “nós contra eles”, o que levou a desconfiança quanto a eficácia das iniciativas;

  • Custos – nas empresas em que os fatores acima tiveram maior impacto negativo, fez com que em momentos economicamente mais delicados, o ombudsman fosse visto apenas como mais um centro de custo e foi dos primeiros cortes a serem efetuados.

Esse conjunto de fatores, fez com que gradativamente a esmagadora maioria das empresas brasileiras começassem a extinguir esse cargo.

Mas aí vem a pergunta…

O ombudsman ainda é importante para as empresas em plena era digital?

Objetivamente, sim!

Inclusive e racionalmente falando, é ainda mais importante do que foi na época em que ocorreu o seu auge.

Em tempos em que a tecnologia pode ser também seu concorrente, a personalização do atendimento é essencial, a humanização das empresas e a agenda ESG ganham destaque, o foco no atendimento de necessidades e desejos da persona, a ampliação do relacionamento e vários outros aspectos que vão bem além do “simples” binômio qualidade de produtos / serviços e preço, ter um legítimo representante do consumidor dentro da empresa, ainda é um diferencial.

O que muda, são os meios.

A mamãe ou a vovó dos anos 90, por mais que soe pejorativo, denota algo que não combina com o consumidor só século XXI. Essa visão estereotipada – mas real – impede a aproximação que é esperada e necessária.

Essa “senhora” de hoje, precisa participar e usar a linguagem das redes sociais e no mínimo ter um “Zap” como principal canal de comunicação.

Ela deve ser capaz de compreender cada uma das gerações e suas peculiaridades e assim conseguir transitar por meio a elas. Conhecer um pouco – ou muito, de preferência – de tecnologia e tendências. Em vez de apenas estampar uma foto na loja ou no site, ter um canal no YouTube e uma coluna no blog da empresa.

Se não for no mínimo assim, será como já foi no passado.

Conclusão

Compreender os porquês que levaram ao fim dos ombudsmans nas empresas, ajuda a não repetir erros que comprometem a busca da satisfação dos clientes.

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