Obsolescência programada: o que é, impactos e soluções

Você, talvez seus pais, ou quem sabe seus avós, cada vez mais se pegam dizendo: “antigamente isso durava muito mais…”?

Pois saiba que na maior parte dos casos, quem diz algo do tipo, tem razão e a explicação para isso, é conhecida como obsolescência programada ou planejada.

Se você não ouvir falar a respeito, ou até já, mas não sabe muito bem suas origens e tudo que está associado a esse conceito, nesse encontro vamos te fazer compreender melhor o que isso envolve.

O que é obsolescência programada?

Costuma-se definir obsolescência programada, às vezes também chamada de obsolescência planejada, como sendo a produção de bens de consumo com um prazo médio de vida útil previamente determinado, após o qual o produto torna-se obsoleto, ultrapassado, quebra ou deixa de funcionar adequadamente.

Sim, os problemas que começam a ocorrer na geladeira ou máquina de lavar roupas, logo depois de terminado o prazo da garantia, fazem parte do que o fabricante planejou e, portanto, é altamente improvável que qualquer um desses e de outros produtos, que ironicamente são classificados como “bens de consumo duráveis”, durem por 15, 20 ou mais anos, como ocorria com nossos pais e avós.

A ideia por trás disso é bastante intuitiva para a maioria, ou seja, vender, vender e vender, ou se preferir, lucrar cada vez mais em cima da sua base de clientes constituídos.

Isso porque, ainda que sua marca seja líder absoluta no segmento em que atua, chega um momento em que todos esses clientes já têm seu produto e se ele dura muito, funciona bem, atende todas as suas necessidades e desejos, não há porque comprar um novo, não é mesmo?

É quando a sua concorrência é caracterizada pelo seu próprio produto.

Se o termo só tem ganhado destaque nas últimas décadas, seu conceito não é exatamente novo.

Um dos primeiros exemplos da adoção desse princípio que se tem relato, veio da indústria de lâmpadas na década de 1920, quando elas poderiam durar 2500~3000 horas, mas fabricantes da Europa e EUA (Cartel de Phoebus), se reuniram e determinaram uma redução de custos nos materiais usados e que tinha como consequência, que a vida útil média das lâmpadas, fosse reduzida para aproximadamente 1000 horas de uso.

Passaram a ganhar duas vezes com a medida, ao tornar sua fabricação mais barata e ao vender com mais frequência.

Poucos anos depois e em função da crise de 1929 – conhecida como a Grande Depressão – que impactou severamente no consumo geral, entre as muitas propostas, uma foi de projetar produtos que estragassem mais precocemente, para recuperar a queda de consumo provocada pela recessão econômica.

Exemplos modernos de obsolescência programada

Há inúmeros exemplos de obsolescência programada e que ganharam repercussão, mas apenas dois serão suficientes para ilustrar os métodos de marcas reconhecidas mundialmente.

Entre os casos mais conhecidos, em 2017 ficou provado e a própria Apple reconheceu, que reduzia intencionalmente o desempenho do iPhone quando a bateria apresentasse um determinado nível de desgaste (vida útil) e que a situação se normalizava com a troca da bateria.

Outra marca que sofreu – e perdeu – vários processos, foi a HP e que adotava diferentes práticas, como limitar o número de impressões dos cartuchos, mesmo quando havia ainda tinta ou outros tipos de problemas de funcionamento, quando um número maior de impressões fosse alcançado.

Mas a HP não foi a única e vários outros fabricantes de impressoras, sofreram ações semelhantes, porém em menor quantidade.

Para além desses casos, o método mais comum de induzir o consumidor a trocar um produto por um mais novo, é tornar a sua manutenção financeiramente inviável e há diferentes formas de se fazer isso, como por exemplo:

  • Tornar as peças de reposição muito caras ou escassas, o que por consequência, também as tornam mais caras;

  • O processo de construção dificulta o suporte técnico e consequentemente um procedimento de conserto mais demorado e complexo, também é mais caro;

  • Inviabiliza alguns tipos de reparos e/ou substituições, como nos casos dos smartphones cujas baterias agora são soldados na placa-mãe;

  • Burocratizar o processo de credenciamento de rede de assistência técnica autorizada, o que traz dificuldades para o consumidor na eventual necessidade de reparos, pelo fato da rede ser reduzida. Aqui novamente a Apple é exemplo, sob a justificativa de que exige padrões elevados de qualidade dos seus autorizados;

  • Uso de matérias-primas mais frágeis e mais suscetíveis a quebra, aumentando a frequência de reparo e que combinada com o primeiro artifício, faz com que a troca por um novo aparelho seja mais vantajosa financeiramente;

  • Adoção de novas tecnologias e que alegadamente costumam ser incompatíveis com as anteriores, como é o caso dos requisitos de hardware para execução de sistemas operacionais. Estima-se que em 2025, quando deve terminar oficialmente o suporte e as atualizações para o Windows 10, veremos o maior descarte de computadores (incompatíveis com o Windows 11) da história.

Tipos de obsolescência programada

O estímulo ao consumo desenfreado frequentemente é caracterizado por diferentes tipos de obsolescência planejada e não raras vezes, alguns tipos são combinados com o propósito de reforçar a necessidade da aquisição de um novo produto / serviço:

  • Técnica – é assim caracterizada, quando no projeto do produto é considerado algum aspecto que limite seu ciclo de vida útil em função de uma falha técnica. Por ensaios e simulações, é possível ter uma ideia bastante aproximada desse período. Geralmente, mesmo quando é possível o reparo, ele pode se aproximar do valor de aquisição de um novo produto;

  • Atualização – bastante comum em produtos informáticos, como os smartphones, em que são limitadas as atualizações, as versões de sistema e algumas vezes, quando não são, os requisitos do dispositivo não permitem a atualização (ex: hardware mínimo para o Windows 11);

  • Tecnológica – quando o novo produto, suas características e o usufruto dos seus benefícios, estão vinculados à nova tecnologia presente no produto, como é o caso de muitas unidades de SSD que são incompatíveis com a tecnologia dos HDs, dos desktops / notebooks mais antigos;

  • Funcional – o funcionamento, em geral nos seus recursos principais, deixa de ocorrer após um determinado número de utilizações. É o caso citado de algumas impressoras da HP;

  • Manutenção – quando existem diversos obstáculos para realização da manutenção do produto, como falta de peças reposição / reparo, ou escassez de postos autorizados, bem como os respectivos custos são elevados;

  • Psicológica – sabendo do prejuízo acarretado por práticas como da HP, boa parte das empresas tem recorrido a ela e que conta com profundo trabalho do Marketing. A ideia é que comprar não é obrigatório, mas quem o faz está em sintonia com o que há de melhor, de mais moderno / atual, mais na moda , etc. É um apelo ao emocional do consumidor e algumas vezes, uma mera melhoria cosmética / estética é suficiente para conferir novo status ao produto.

Consequências e impactos da obsolescência programada

Há algumas consequências e impactos imediatos e bastante aparentes nesse tipo de conduta por parte de marcas e empresas, como a falta de honestidade, transparência e ética das empresas e que compromete a confiança dos clientes nos seus produtos e nas suas políticas.

Mas há outras não tão aparentes, ao menos para todos e que são:

  • Meio ambiente – aumento da produção em muitos casos significa aceleração do esgotamento dos recursos (matérias-primas), aumento na geração de lixo eletrônico (e-lixo), plásticos e embalagens não biodegradáveis, emissões de resíduos poluentes na atmosfera, no solo e nos rios e mananciais, etc;

  • Social – ainda que nos últimos anos tenha aumentado a reciclagem, nem sempre ela ocorre da maneira correta e muitas vezes são feitos por trabalhadores em condições precárias e sem os cuidados necessários para sua saúde e para com o meio ambiente;

  • Endividamento – há diversas pesquisas que apontam o grau de endividamento global. No Brasil, 8 em cada 10 estão endividados e destes, 3 estão em atraso e 1 não tem condição de pagar suas dívidas e parte do problema está no consumismo exacerbado.

Por parte das empresas, para além do prejuízo ao trabalho de construção da marca (branding) quando fica evidente esse tipo de conduta, há a total incompatibilidade com os fundamentos que deveriam nortear aquelas que supostamente adotam uma agenda ou pauta ESG.

Como falar em governança corporativa sem ética e transparência? Ou de responsabilidade social, com as consequências negativas para a sociedade da qual faz parte? E por fim, mas não menos importante, os vários e diferentes impactos ambientais decorrentes?

Mas muitas das empresas que praticam a obsolescência planejada, acabam sendo elas mesmas vítimas, já que são dependentes do elevado nível de transformação digital atual e que é extremamente suscetível a esse movimento.

Quais as soluções para a obsolescência programada?

A discussão sobre os meios de se combater a obsolescência planejada, é extremamente relevante e vem ganhando cada vez mais espaço globalmente.

Por exemplo, na União Europeia, os países participantes têm elaborado um conjunto de medidas que impõem aos fabricantes regras de promoção da sustentabilidade dos seus produtos, como a exigência de períodos definidos durante os quais são obrigados a fornecer peças de reposição e a implementação de padrões de eficiência energética mais rigorosos.

No Brasil já há algo semelhante no Código de Defesa do Consumidor (CDC), no artigo 32, no qual consta que “os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto”.

Todavia, é ainda muito pouco.

Nossos parlamentares precisam se debruçar em cima de um conjunto de normas que protejam o consumidor contra essa prática, bem como instituam os meios para fiscalizar e punir aqueles que desrespeitarem as regras.

É preciso algo como já existe na França, onde uma lei de 2015 trata abertamente do tema, ao considerar ilegal e criminosa a conduta de empresas que de alguma maneira reduzam o ciclo de vida útil de um produto, acarretando penalidades pesadas.

Mas é também papel do consumidor que tem no seu poder de compra, o instrumento para forçar a mudança, em particular os fãs das marcas.

Valorizar marcas e produtos cujas principais qualidades sejam a durabilidade, uso de matérias-primas recicladas e recicláveis, processos produtivos sustentáveis e ecologicamente adequados, entre outros, é um claro recado àqueles que insistem em ir na contramão.

É preciso estar atento às armadilhas, uma vez que esse comportamento consumista se tornou normal e até um paradigma. É o caso do já citado possível impacto que o fim das atualizações e suporte ao Windows 10, terão em 2025 no volume de e-lixo.

Há um mundo para além do sistema da Microsoft e uma possível saída para esse caso é, quando for possível, substituir o sistema operacional, escolhendo uma distribuição Linux que atenda suas necessidades, entre as inúmeras que existem.

Mas é também não se deixar seduzir pelos modismos, pela Publicidade, pelo Marketing e pela influência digital cada vez mais presentes e determinantes nas decisões de compra. Aliás, é também responsabilidade desses mesmos influenciadores, fazerem sua parte e estabelecerem parcerias somente com as marcas mais transparentes e honestas com seus clientes em comum.

Conclusão

A obsolescência programada é prática com consequências negativas ao meio ambiente e à sociedade, sendo necessário medidas de combate por parte de todos nós.

 
 

 

 

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