O cliente sempre tem razão? Será mesmo?
É praticamente impossível quando se fala em qualquer coisa relacionada com a satisfação dos clientes, qualidade no atendimento e aspectos comportamentais dos clientes, não esbarrar em algo que para a maioria é quase um mantra: “O cliente sempre tem razão!”.
Mas de fato essa afirmação procede? Você a tem como lema no atendimento que presta aos seus clientes? Você deve segui-la a risca?
Que tal refletirmos um pouco a respeito?
Como surgiu a frase “o cliente sempre tem razão”?
Não é fácil afirmar quem disse isso a primeira vez, tampouco cravar com certeza quem tornou essa frase uma verdade absoluta, um paradigma ou até um verdadeiro dogma para muitas empresas.
Sim, a questão vem sendo tratada por muitos como um dogma. Ou seja, aceite e não questione.
A frase possivelmente surgiu como resultado do momento histórico em que as empresas começaram a implantar em suas missões o conceito de empresa orientada ao cliente e a busca pela qualidade no atendimento, quando começaram a ter como objetivo alcançar os maiores níveis de satisfação por parte dos clientes e para isso, tudo o que era possível passou a ser feito em seu nome.
Bem, pelo menos na teoria.
Um outro grupo de empresas que possivelmente ajudou no fortalecimento desse dogma, foi aquele formado por segmentos nos quais a concorrência se tornou demasiadamente acirrada.
Os mercados com muitos concorrentes em um mesmo ramo de atuação, fizeram com que ficasse muito fácil para os consumidores mudarem de fornecedor ao mais leve descontentamento e assim, as empresas passaram a fazer de tudo, apenas para não perder clientes para a concorrência.
O problema em circunstâncias assim, é que um cliente mantido sob tal condição, não é um cliente fiel e sempre serão necessárias mais e mais concessões para mantê-lo.
É preciso ter discernimento e maturidade para enxergar que ser o melhor em tudo, não é fácil e que clientes se mantém clientes, apesar de eventuais percalços, se o que mais importa é o que é feito por ele.
Quando se começa a ir além do possível e do justo, sem medir apropriadamente o custo – todo tipo de custo – que isso representa tanto em termos monetários, como em termos de imagem que se constrói perante os clientes e o mercado, a empresa envereda por um caminho perigoso e que pode ser irreversível, visto que é raro que um cliente nessa condição recue e abra mão do que ele conquistou no passado.
El sempre exigirá mais e mais!
Por que o “cliente sempre tem razão”?
É fundamental compreender que não somos contra a ideia de que “o cliente sempre tem razão”!
Em boa parte dos casos, pode-se assumir que isso é uma verdade.
Aliás, pensar dessa maneira, ajuda na melhoria da empresa como um todo, ou seja, na forma como são pensados e desenvolvidos os produtos e serviços e como a empresa administra o relacionamento com sua carteira.
Uma empresa que entende a extensão da frase, bem como o que fazer para que isso seja sempre verdade, é uma empresa que sabe reconhecer suas limitações e erros e trabalha para que tudo esteja melhorando continuamente.
Outro aspecto fundamental e que é potencializado pela Internet, particularmente em tempos de redes sociais e sites de reclamações, é a “propaganda” negativa e seu impacto nos negócios e na constituição da reputação digital da empresa e dos seus produtos e serviços.
É muito forte o peso que as reclamações dos clientes têm, para aqueles consumidores que ainda não se tornaram clientes.
Por fim, quando seus clientes veem que a empresa de fato age orientada a esse lema, automaticamente ela acaba por construir uma imagem positivamente sólida e se aproximando da tão perseguida fidelização de clientes.
Quando o cliente não tem razão?
Assumir que o cliente tem razão sempre, é ir na contramão do princípio universal pelo qual todos têm direitos e deveres e que todos são iguais.
Em outras palavras, as empresas também têm os seus direitos, os quais também precisam ser respeitados, até mesmo para garantir a sobrevivência da empresa como negócio e uma relação sadia e proveitosa para ambas as partes.
Alguns clientes abusam deste paradigma da “razão incondicional”, ao ponto de em determinadas situações de atendimento, repetirem a frase quando não têm suas reivindicações atendidas.
Normalmente se caracteriza como abuso, quando mesmo diante de concessões por parte da empresa, o cliente demanda ainda mais, parecendo não se satisfazer com nada.
Quando uma situação como essa fica caracterizada, o cliente assume uma postura em que torna o atendente, seja ele um vendedor, seja apenas alguém do suporte, um refém de suas vontades.
Nesse ponto, já não há mais a relação comercial e vendedor e empresa, se veem atendendo exigências exageradas e em alguns casos, pagando um alto custo para manter o cliente "satisfeito".
Como identificar quando a busca pela satisfação extrapolou o razoável e os direitos do cliente já foram devidamente atendidos, passando a constituir uma situação de desgaste e até mesmo perdas para a empresa?
Respondendo às seguintes perguntas:
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É frequente haver reclamações desse cliente, que não são demandas feitas por outros clientes?
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É usual que você veja esse cliente mobilizando toda a empresa ou diversos departamentos para conseguir solucionar “insatisfações” reveladas por ele?
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Você dá descontos e prazos que nenhum outro de seus clientes têm?
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O tempo e a quantidade de suporte ou assistência técnica fornecidos ao cliente estão entre os mais elevados da empresa?
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Frequentemente você se vê consultando seu gestor para realizar concessões além daquelas que são normalmente possíveis e o estabelecimento de condições especiais?
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Apesar do cliente já contar com extensões extraordinárias, descontos máximos, prazos mais elásticos, adicionais de produtos e serviços gratuitos, o cliente revela que a concorrência lhe oferece ainda mais, pagando ainda menos?
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O tratamento que o seu cliente dispensa ao pessoal de atendimento e ao comercial é menos cortês que a maioria e por vezes chega às ofensas pessoais?
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As solicitações que o cliente faz são incomuns e ocasionalmente ele faz ameaças caso não sejam atendidas?
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Mesmo atendendo a todas as suas exigências, o volume de compras do cliente é pequeno ou vem caindo com o passar do tempo?
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O tempo destinado ao pós-venda ou ao acompanhamento do cliente no uso do produto / serviço é maior do que a média dos clientes e ainda assim ele se mostra pouco satisfeito, comparativamente aos demais?
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O cliente tem muitas reclamações em redes sociais, sites de reclamação, a respeito dos mais diferentes produtos e serviços, inclusive dos seus concorrentes?
Essas são situações rotineiras em vários segmentos de atividades, mas que têm em comum o fato de que quanto mais respostas afirmativas a estas perguntas, maior a probabilidade de você estar diante de alguém que só quer obter vantagens e para isso, usa e abusa sem nenhum pudor da máxima que “o cliente tem sempre razão”.
Quanto maior o número de vezes que se responde “sim” para cada uma das situações que listamos, maior será a posição de submissão às vontades do cliente e em uma condição extrema, deve-se reconsiderar se vale a pena continuar mantendo-o como cliente.
Naturalmente nenhuma empresa, nenhum vendedor ou atendente ficará satisfeito e mandará o cliente para a concorrência.
O que se deve levar em conta, é até quando e onde você vai para garantir que “cliente tenha sempre razão”.
Os impactos do cliente que não tem razão
Objetivamente, deve-se avaliar até que ponto o cliente não lhe traz mais perdas do que ganhos e se o mesmo constitui o perfil de cliente que você e a empresa planejam ter na carteira.
Embora empresas persigam o objetivo utópico de ter todos como seus clientes e que todos tenham o máximo de satisfação possível, é natural que um contingente “pertença” a concorrência e às vezes pode não ser tão vantajoso como se imagina, fazer de tudo por alguns deles.
Há consequências e impactos negativos de dar “razão ao cliente sempre”, mesmo quando ele não tem:
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Desgaste – ainda que a empresa atenda as “exigências”, ao longo do tempo e diante da recorrência, a relação tende a deteriorar;
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Custo – os custos gerados na tentativa de manter tais clientes, é exagerado (descontos, prazos, bônus, tempo dos colaboradores envolvidos, etc);
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Imagem – a imagem da empresa ainda pode sofrer prejuízos, quando a empresa chega ao limite das concessões possíveis, quando o cliente abusivo passa a avaliá-la mal, torna públicas suas reclamações e se torna um grande detrator da empresa;
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Foco – a empresa desvia-se da sua cultura e das políticas de atendimento que pratica com a maioria da sua carteira;
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Pressão – os colaboradores que são linha de frente, sentem a pressão para atender as demandas dos clientes, mesmo quando estas forem infundadas ou prejudiciais à empresa;
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Decisões – as empresas acabam por tomar decisões equivocadas, às vezes precipitadas e sem fundamentação prática, apenas para “satisfazer” momentaneamente o cliente abusivo, comprometendo seus objetivos principais.
O que fazer quando o cliente não tem razão?
Como tudo na vida que envolve a natureza humana, não há como se ter certezas do que fazer, bem como dos resultados produzidos.
No entanto, há algumas posturas que podem ajudar em alguns casos a se obter resultados mais satisfatórios do que simplesmente abdicar do cliente que abusa da sua condição:
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Seja cortês e humilde, mas não submisso. Algumas pessoas não resistem a doses extras de gentileza e educação e acabam abrandando suas posturas;
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Faça-o saber que está dando mais do poderia e deveria, em clara demonstração de que ele está sendo valorizado e que seus direitos estão sendo plenamente satisfeitos, e que sendo feitas concessões extraordinárias, porém em caráter único;
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Não ceda a primeira “chantagem”. Demonstre que as concessões eventualmente são excepcionais e fruto de muito esforço para atendê-lo;
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Seja e pareça “arrependido” e triste quando algo der errado. Reconheça suas falhas, para que o cliente saiba que a empresa se importa com situações que eventualmente não ocorreram como deveriam, mas que ela prioriza fazer o certo sempre;
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Não se mostre preocupado com a concorrência, mas com o cliente. Ou seja, valorize sua empresa e sua relação com o cliente, independente do que terceiros possam fazer por ele;
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Não o bajule. Demonstre respeito e enalteça os motivos que o fizeram cliente, lembrando que as qualidades da empresa o trouxeram até aqui e por essas mesmas qualidades que a relação deve perdurar;
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Peça contrapartidas a cada concessão feita e, sobretudo, diante das especiais, como pedir indicações, depoimentos, novos pedidos, etc;
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Busque soluções criativas. Nem sempre a solução que é pleiteada pelo cliente, é de fato a melhor. Pensar "fora da caixa", pode ajudar a encontrar alternativas que beneficiem e satisfaçam tanto o cliente, quanto a empresa.
Conclusão
A satisfação do cliente é crucial, mas assumir que “o cliente tem sempre razão”, requer cuidados e avaliar o contexto e saber identificar quando há abuso.