Cuidado quando a Inteligência Artificial é só Marketing
Os mais atentos já devem ter notado que a oferta dos mais diferentes produtos e serviços atualmente, vem acompanhada de uma característica comum a todos eles – inteligência artificial ou apenas IA, para os íntimos.
Sim, de produtos físicos – ou bens de consumo, se preferir – a serviços, todo mundo promete que a nova geração, o novo modelo, a atualização ou lançamento, agora faz e acontece, porque é baseado ou dotado de IA.
Mas será mesmo?
O quanto disso que andam dizendo, prometendo e naturalmente, cobrando para lhe entregar algo que, supostamente teve inteligência artificial incorporada, é verdade e quanto é apenas “jogada de Marketing”?
Entendendo a inteligência artificial
Não é nossa proposta aqui ir muito fundo nessa explicação, mas se você tem interesse, recomendamos a leitura do artigo sobre o que é inteligência artificial.
No entanto, é importante conhecer um pouco do que está envolvido nos modelos atualmente mais destacados, como o ChatGPT e o Google Bard e logo ficará claro o porquê.
Os dois famosos exemplos, como também os de Big Techs que vêm trabalhando para desenvolver seus próprios modelos de IAs, como é o caso da Meta, ou da Amazon, entre outras, têm suas particularidades, mas também compartilham muitos pontos em comum e que costumam ser mandatórios.
Algoritmos
Todas as IAs típicas se baseiam em algoritmos imensos e sofisticados e que bem resumidamente, consistem de enormes quantidades de programação destinada a realizar diversos tratamentos estatísticos e encontrar padrões e semelhanças, apontar tendências, tirar conclusões e produzir resultados variados, tudo a partir de enormes volumes de dados.
Big Data
Os dados mencionada acima, não são apenas dados quaisquer e em grande volume, mas dados de natureza conhecida e definida, autenticidade comprovada, relevantes para o objetivo pretendido, dinâmicos (são alterados e crescem com o tempo), de ampla diversidade e devidamente categorizados e armazenados e que nesse caso, são chamados de Big Data.
Pense que no caso do Google, por exemplo, representa o universo de informação usado para exibir os resultados das páginas de pesquisa (SERPs).
Machine Learning e Deep Learning
De modo semelhante ao mecanismo que nós nos baseamos para aprender, a combinação de dados variados – quanto ao tipo e natureza – que temos acesso e as conclusões que tiramos deles, bem como os resultados destas conclusões (erros e acertos), faz com que a máquina (computador) “aprenda” a interpretar cada situação e agir de acordo com o que aprendeu, em processos conhecidos como machine learning (aprendizado de máquina) e deep learning (aprendizado profundo).
Redes neurais
Essa é possivelmente a parte mais complexa de todo o processo, pois envolve infraestrutura – de hardware e software – capaz de simular, ainda que não de modo idêntico, o funcionamento dos nossos neurônios e por consequência do nosso cérebro, no tratamento da informação.
Cloud computing
Todo esse conjunto de tecnologias que são a base dos atuais modelos de IA, precisam de muito poder computacional e que apenas um servidor, por mais poderoso que seja, não é capaz de suprir. Somente ambientes de cloud computing têm a infraestrutura necessária à demanda.
Somados aos requisitos acima, foi necessário um pesado investimento e tempo, muito tempo para unir tudo – bem como o que ficou de fora – e produzir os resultados que hoje são possíveis.
Entre os aspectos que ficaram de fora, podemos citar o desenvolvimento do modelo de linguagem natural do Google (LaMDA) e que é essencial para o Bard, mas que já havia sido visto em 2019, no update BERT do algoritmo usado na ferramenta de pesquisa.
É por meio de tecnologias do tipo, que as frases “a mensagem da carta” e “a mensagem na carta”, embora quase idênticas, têm sentidos sutilmente diferentes. Graças a essa capacidade de distinção, entre outras também, que o chatGPT parece ser capaz de “conversar” e compreender as intenções por trás dos mais diversos comandos que damos a ele.
No caso da Meta, lá por volta de 2017, já era usada IA para reconhecimento facial e identificar um usuário nas fotos dos outros da sua rede.
E não ficava só nisso. Desde antes, os algoritmos das redes sociais, têm evoluído para fazer muitas interpretações do comportamento dos usuários, para recomendar conteúdos e para apresentar publicidade online.
Outro forte indicativo do quão essencial é o tempo nesse processo, é novamente o Google e que apesar de ser uma das mais poderosas empresas da atualidade e que já vinha há anos destinando esforços e recursos em várias frentes de pesquisa na área de IA, viu alguma ameaça à sua hegemonia por parte do “novo” Bing e ainda assim, adotou cautela no lançamento do Bard.
Enfim, poderíamos dar uma lista imensa de como a inteligência artificial funciona para produzir situações cujos resultados às vezes parecem mágicos, mas já é suficiente para compreendermos a quase inimaginável complexidade envolvida.
Por que nem tudo tem inteligência artificial?
Quando olhamos para a verdadeira enxurrada de produtos e serviços que alegam usar inteligência artificial e agora que sabemos tudo o que é necessário para de fato dispor dela, começa a ficar claro que nem tudo de fato deve ser inteligência artificial, não é mesmo?
Obviamente, também deve ter ficado claro, que há particularidades a depender do caso. Nem todos precisam de uma tecnologia como a LaMDA do Google. Outros não precisam do reconhecimento facial usado pelo Facebook.
Porém, independentemente dessas peculiaridades, instituir IA em um produto / serviço, não é algo que depende apenas de querer. Há muita pesquisa e desenvolvimento e tudo o que isso significa, questão que fica ainda mais evidente, quando a Microsoft divulgou o investimento de 11 bilhões de dólares na OpenAI, a empresa responsável pelas diferentes versões do GPT.
Ou seja, ainda que em escala muito menor e se descontando tudo o que um sistema não precisa, a verdade é que uma infraestrutura típica de IA, não é acessível para todo mundo e nem é criada da noite para o dia.
Cabe reiterar que não estamos falando da disponibilidade para o usuário final, mas do ponto de vista do fornecedor do produto / serviço.
Se não é IA, é o quê?
Talvez uma resposta mais honesta e próxima da realidade, são os smartphones e smartTVs.
Embora smart signifique “esperto” em português e para muitos pode ser sinônimo de inteligente, nesse contexto é um pouco diferente do conceito de IA.
Esses aparelhos são “espertos”, na medida que seus usuários não precisam realizar procedimentos longos ou complexos para usufruírem dos seus recursos. Há algoritmos e aplicações que tornam o acesso e uso, mais simples, bastando um clique ou quem sabe um comando simples, que pode até ser por voz, o que cria a falsa impressão que o aparelho é inteligente de verdade.
Alguns dirão: “Ah, mas tem algoritmo como nas IAs, logo também é”.
Ter um motor de Fórmula 1 no seu carro de passeio, não faz dele um F1! Como explicamos, tipicamente as IAs compartilham um conjunto de aspectos fundamentais e não apenas um algoritmo. Além disso, há algoritmos simples embarcados até no seu micro-ondas e isso não é suficiente para torná-lo “inteligente”.
O que muitos desses produtos têm feito, é automatizar e, portanto, simplificar o que antes era tarefa do usuário. Mas por melhor que seja o recurso, ele não tem um elemento que é essencial para enquadrá-lo como verdadeiramente inteligente, que é o aprendizado por conta própria. Isso para não falar dos demais requisitos.
Você abre o editor de texto e mesmo que ele corrija a ortografia e quem sabe até aceite alguns comandos vocais, ele não é capaz de criar o texto apenas a partir do tema que você tem em mente e de três ou quatro parâmetros, como faz o GPT.
“Mas a câmera do meu celular Xing-Ling Optimum Neo Prime 10.000, é sim inteligente! Eu não preciso fazer nada e ela tira fotos perfeitas!”
Nesse caso, há apenas um algoritmo que se encarrega de usar um conjunto de definições (tempo de exposição, foco, filtros, etc) previamente definidas pelo fabricante e aplicar a definição mais indicada de acordo com as condições obtidas pelo sensor do aparelho.
Por que todo mundo quer aderir à Inteligência Artificial?
Grosso modo, desde que o ChatGPT se tornou acessível a todo mundo, enxergou-se o potencial da IA. Além disso, outros exemplos de inteligência artificial começaram a também ganhar visibilidade, o que contribuiu para a empolgação em torno do tema.
Assim, aos poucos os benefícios conferiram a associação natural de que tudo que é dotado de IA, entrega ao cliente:
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Produtividade – faz-se mais, mais rápido e melhor;
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Vanguarda – o que é de última geração, normalmente é visto como melhor, ainda que não seja obrigatoriamente;
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Tecnologia – tal como o benefício anterior, na cabeça da maioria, mais tecnologia, é sinônimo de ser melhor, o que também não é uma verdade absoluta. Que o digam nossos pais e avós;
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Status – tecnologia de ponta, geralmente também confere status;
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Economia – maior eficiência, maior produtividade e menores índices de erros, resultam em economia.
Enfim, vincular o tema da atualidade a um produto / serviço, pode implicar uma série de benefícios e por consequência, também é justificativa para cobrar mais.
Logo, o que muitos andam fazendo, é “jogada de Marketing”!
E o pior, no mau sentido, porque fazer Marketing, não é isso. Não é enganar o cliente, porque é o que muitos estão fazendo!
Fazem apenas para vender...
Como identificar o que não tem inteligência artificial?
Bem, não há um truque ou dica única que possa ajudar a identificar quando algo só tem inteligência no nome.
No entanto, analisando alguns pontos e a depender do que se trata, é possível pelo menos suspeitar se é apenas “Marketing”, ou se de fato cumpre o que promete:
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Tamanho da empresa – em termos gerais, empresas pequenas não dispõem dos recursos necessários. Todavia, há que destacar que há raríssimas exceções. A OpenAI, era apenas uma startup até pouco tempo e, portanto, uma empresa de pequeno porte, mas atuou por anos até chegar onde chegou e esse é o seu trabalho;
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Processamento local vs nuvem – a “inteligência” está embarcada no dispositivo ou no software, ou seja, é local? Como vimos, os sistemas verdadeiramente inteligentes precisam do poder computacional que só o cloud computing pode entregar. Exemplos de softwares que rodam localmente e que se dizem inteligentes, na verdade não são;
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Resultados limitados – os sistemas baseados em IA, teoricamente não têm limites do que podem entregar, como não têm também os cérebros humanos. Mas os que são apenas “espertos”, podem até oferecer uma variedade grande, mas estarão dentro de limites. É bastante comum de observar isso, em alguns serviços de imagens, nos quais vemos repetições de vários padrões;
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Aprendizado – o aprendizado e que é condição necessária, pressupõe que a medida que ele é usado, adquira novas capacidades. Se não for capaz de fazer sempre mais com o decorrer do tempo e do aprendizado, não é inteligente;
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Valor agregado – difícil imaginar produtos / serviços de baixo valor agregado dotados de IA. Ainda que ChatGPT e Bard sejam de graça, fazem parte de um ecossistema de produtos / serviços que indiretamente redem muito às respectivas empresas. Em outras palavras, não espere contar com IA de última geração em troca de meia dúzia de reais!
Conclusão
A onda de produtos / serviços dotados de inteligência artificial parece gigantesca. Mas cuidado! Nem tudo é o que parece e algumas vezes é só “Marketing”!