Spotify: Quando posturas e decisões podem custar caro para uma empresa
Qual o impacto que a ação ou até a omissão de uma empresa pode ter nos seus resultados ou mesmo na sua sobrevivência no mercado em que atua?
O mais recente caso e que deve servir de lição do quão caro uma decisão pode impactar nos negócios de uma empresa, vem da polêmica envolvendo o serviço de streaming Spotify, o artista Neil Young e o podcaster Joe Rogan.
Se você não soube da notícia, ficar a par e compreender o cenário em que as coisas aconteceram, bem como as implicações em termos de negócios, pode ser uma boa aula de administração e de como erros e decisões podem custar bem caro para uma empresa.
Entendendo o caso Spotify e Joe Rogan vs Neil Young
Em 24 de janeiro de 2022, Neil Young, astro do Rock que integrou o lendário quarteto Crosby, Stills, Nash & Young – ou apenas CSNY para os “íntimos” – deu um ultimato ao Spotify: “They can have Rogan or Young. Not both”.
Em português: “Eles (Spotify) podem ter Rogan ou Young. Não ambos”.
A polêmica surgiu porque Joe Rogan havia entrevistado em seu podcast, chamado Joe Rogan Experience, um conhecido negacionista das vacinas e que incluem as que existem contra Covid.
A preocupação manifestada por Neil Young, é que “O Spotify recentemente se tornou uma força muito prejudicial por meio de sua desinformação pública e mentiras sobre o COVID”.
Young prossegue dizendo: “Eu apoio a liberdade de expressão. Nunca fui a favor da censura. As empresas privadas têm o direito de escolher com o que lucrar, assim como eu posso optar por não ter minha música suportando uma plataforma que divulga informações nocivas, …”.
Poucos dias depois, o Spotify tomou sua decisão e removeu todo o repertório de Young da plataforma.
A artista canadense Joni Mitchell, em solidariedade e com a mesma postura de Young, percorreu o mesmo caminho. Artistas menores e não tão populares, também saíram e muitos dos que não saíram, começaram a usar suas redes sociais e até a própria plataforma para pedir aos seus fãs que deletassem o aplicativo dos seus celulares.
Após uma semana da polêmica, a queda no valor das ações, refletidas no valor de mercado do Spotify, chegou a US$ 4 bilhões.
Anunciantes ameaçam sair. Outros produtores de conteúdo para podcast com contratos importantes, estão pressionando o serviço de streaming. Há campanhas por todos os lados nas principais redes sociais para os usuários migrarem para os principais concorrentes (Amazon, Apple, Deezer, Tidal, etc).
E se já não fosse bastante, artistas menores e que não recebem os valores estimados por Young (US$ 750.000,00 / ano), ou ainda muito menos que os principais nomes da plataforma (Ariana Grande e Drake), aproveitaram a oportunidade para trazer à tona a remuneração média líquida paga por streaming – US $ 0,0024.
Ou seja, em média a cada mil execuções de uma música, um artista recebe pouco mais 2 dólares! Dependendo ainda há deduções a serem feitas, como impostos e taxas no caso de remessas internacionais.
Segundo o site Trichordist - Artists For An Ethical and Sustainable Internet – apenas o Youtube Content Id paga menos que o Spotify. Todas as principais plataformas de streaming remuneram melhor os artistas.
No dia 30 seguinte ao início da polêmica, Daniel Ek, sócio e um dos fundadores da empresa, veio a público e informou que adotará medidas para combater desinformação relacionada à Covid-19 em seu conteúdo. No mesmo dia, Rogan, em sua conta no Instagram, publicou um vídeo de 11 minutos em que também pede desculpas e disse que “nem sempre acerta”, mas prometeu fazer melhor nas próximas oportunidades que tiver.
Mas o estrago já estava feito!
É provável que logo a polêmica seja esquecida, as ações da empresa voltem a subir, alguns usuários voltem a ouvir o conteúdo no app, outros gostem da concorrência e o Spotify continue faturando alto.
Mas custou caro e alguns arranhões na imagem e tanto na reputação digital, quanto global, vão ficar.
7 aspectos que as empresas devem considerar nas decisões
Exemplos de outros erros, decisões equivocadas e posturas por parte de empresas, cujas consequências podem ser graves e em alguns casos fatais, não faltam.
O caso do Spotify e Neil Young, é apenas o mais recente.
É importante ao trazer para discussão esse episódio, avaliar tudo o que está por trás e que independente da situação, princípios, valores, condutas, aspectos que devem prevalecer.
1. Responsabilidade social
Faltou senso de responsabilidade social, lembrando que esta é assumir para si, de forma voluntária e consciente, o papel de fazer o que está ao seu alcance para promover o bem-estar da sociedade na qual está inserida e da qual faz parte.
Na condição de importante meio de disseminação de informação, caberia a ela como empresa, zelar por divulgação de informação fidedigna, verdadeira.
Ao contrário, permitiu e até defendeu sob a falsa premissa da liberdade de expressão, a desinformação e fake news.
Há diferenças importantes entre diferentes pontos de vista sobre qualquer assunto, pouco ou nenhum acesso à informação e informação sabidamente falsa. É mais grave ainda quando isso envolve a principal questão sanitária do mundo contemporâneo.
Responsabilidade social já não é mais apenas um diferencial, mas algo que se espera de todas as empresas, especialmente aquelas que tem visibilidade, penetração e poder econômico, tanto que empresas que desenvolvem e implantam pautas ESG, recebem maior atenção no mercado de investimentos.
2. Ética
Compromisso com a ética, é outro fator inegociável em qualquer empresa.
Faltar com ela – a ética – implica em fazer o que não é o correto, o que não é esperado, que não é de bom tom. Não é honesto!
A falta de ética no episódio ficou caracterizada especialmente, porque coincidentemente ou não só houve um posicionamento público a respeito, quando as perdas começaram a se somar.
Inclusive esse é um valor essencial que deve estar presente em tudo o que uma empresa faz. Não há como pensar em governança corporativa correta, sem ética. Assim como não é possível conceber, sustentabilidade, justiça social, relacionamento com clientes, cumprimento à legislação, entre muitos outros pontos, sem ética.
Como algumas coisas na vida, não há meio termo. Não é possível dizer que há empresas mais ou menos éticas. Ou são, ou não são.
3. Lucros acima de tudo
Lucros estão entre as razões de uma empresa existir e é compreensível que suas ações estejam pautadas na sua obtenção.
No entanto, uma empresa não pode simplesmente fazer qualquer coisa em nome do lucro, passando por cima da sua responsabilidade social, da ética, do compromisso moral com seus clientes (internos e externos), entre outros fatores igualmente importantes.
Ficou característica a motivação para a postura inicialmente adotada, quando sabemos que Rogan foi o podcaster mais ouvido em 2021 e pelo fato de que a própria empresa afirma que atualmente é o seu produto mais rentável.
Quando uma empresa mostra que suas decisões são exclusivamente baseadas no quanto ela ganhará, coloca em xeque sua credibilidade no mercado em que atua.
4. Imagem e branding
O processo de construção da imagem que uma empresa tem perante o mercado, assim como a marca associada a ela (branding), é longo, demorado, permeado de desafios e trabalho permanente.
Construir uma imagem positiva, de respeito ao mercado e por parte do mercado (concorrentes, fornecedores, clientes), de confiança, retidão e todo o conjunto de qualidades que se espera ver em uma empresa, é difícil.
Porém para arruinar tudo o que foi feito, pode ser muito fácil e rápido. Basta uma ação mal pensada, um erro, um desastre.
5. Clientes externos
Os clientes externos, os clientes finais – ou apenas o cliente como o conhecemos – são o maior patrimônio de qualquer empresa. Pelo menos deveria ser.
Mais ainda, é a razão de uma empresa existir.
É por essa motivação que toda organização deve ser orientada a ele e não porque é um bonito discurso.
O quanto a gigante de streaming considerou os clientes ao fazer o que fez? Pouco ou nada, aparentemente.
E nesse caso em especial, devemos lembrar que há dois clientes finais. Os ouvintes que instalam o aplicativo e pagam pelo serviço e os anunciantes, que pagam para terem suas marcas divulgadas.
6. Clientes internos
O conceito de clientes internos, resumidamente compreende os colaboradores, os fornecedores e os parceiros comerciais, os quais são fundamentais para o negócio funcionar.
Nesse contexto, Neil Young, Joni Mitchel e os demais artistas são clientes internos.
Ao vir à tona que a principal empresa de streaming do mundo em 2022, para além do que já era público, é também uma das que pior remunera os artistas no seu segmento de negócios, mostra-se respeitosa com seus clientes internos?
7. A voz da empresa
Quando um colaborador qualquer, um funcionário que veste o uniforme, porta o crachá ou atua graças e em nome da infraestrutura de uma empresa, ele é o representante da empresa. É a sua voz.
É por meio daquela pessoa, que os clientes externos, ou finais, interagem.
Quando recebemos um atendimento de ótima qualidade, dizemos que a empresa atende bem. Não que a Maria, o João e os demais atendentes, são bons.
Rogan fez esse papel. Foi a voz da empresa, a voz do Spotify.
Quem errou não foi o Rogan, mas o Spotify aos olhos de quem viu e que foi reforçado pela escolha que fizeram, permitindo que Young removesse seu conteúdo da plataforma. Ele foi um representante da empresa, que expressou como ela pensa.
Conclusão
A tomada de decisão nas empresas, as suas escolhas e posturas, devem ser baseadas em aspectos cruciais, sem o que correm riscos que podem ser fatais.