Vem aí o Azure Linux, a distro da Microsoft
Quem diria que um dia, após a declaração dada em 2001 pelo então CEO da Microsoft, Steve Ballmer, que o “Linux é um câncer”, essa visão de um sistema que por algum tempo foi visto como ameaça ao Windows, mudaria radicalmente a ponto de Satya Nadella, o atual diretor executivo da Microsoft, dizer: "Microsoft ama o Linux"?
E parece que essa declaração, dada em 2014 pelo sucessor de Ballmer, não se devia apenas ao fato de que 20% das VM’s (máquinas virtuais) no Azure usavam o sistema operacional de código aberto.
Passados mais alguns anos e vem um novo anúncio da empresa de Redmond, que agora tem uma distro para chamar de sua – a Azure Linux!
O que é o Azure Linux?
Como já dito, o Azure Linux é uma distro criada pela Microsoft e anunciada pelo diretor de programas da Microsoft, Jim Perrin, em uma coletiva sobre o sistema, durante a Microsoft Build 2023, em 23 de Maio de 2023.
Mas não se trata de uma distro destinada ao usuário “comum”, como costuma ser quando se fala das melhores e mais populares distribuições Linux, como a popular Ubuntu, ou a prática e fácil Linux Mint, ou ainda a clássica Fedora.
Seu público é o usuário final e corporativo, mais especificamente os clientes do universo de serviços baseados em cloud computing (computação em nuvem) da Microsoft, chamada apenas de Azure.
O Azure Linux é um sistema “leve, seguro e confiável” com desempenho otimizado para a plataforma Azure Kubernetes Service (AKS) e que resumidamente, é uma ferramenta open source para automatizar a implantação, gerenciamento e escalonamento de aplicações em contêineres, ou como alguns gostam de chamar, apenas orquestração de contêineres.
Portanto, quem esperava ver uma alternativa ao Windows, da própria Microsoft, ainda não foi dessa vez.
Características do Azure Linux
A medida que a distribuição começar a chegar aos usuários, deveremos ter mais detalhes a seu respeito, mas a partir da apresentação, algumas informações já foram possíveis de se saber:
-
Não se trata de um fork (ramificação ou derivação) do Fedora, mas um desenvolvimento totalmente novo a partir do zero, baseada nos pacotes RPM – como o próprio Fedora e o RedHat – e visando ser 100% adequada às necessidades da MS;
-
A interface gráfica é bastante simples / minimalista e que prioriza o uso e poder das linhas de comando do Linux, mas que aqui a Microsoft chama de Azure CLI (Command Line Interface);
-
Apesar de ter sido prioritariamente conduzido o desenvolvimento pela equipe da Microsoft, tendo inclusive sido usada pelo time de desenvolvimento por alguns anos, em um projeto nomeado como CBL-Mariner e disponível no GitHub, também contou com alguma colaboração da comunidade de desenvolvedores, como costuma ocorrer em algumas distros;
-
A distro nasceu porque precisavam de uma distribuição interna – da própria MS – e que fosse consistente para seu uso e que logo mostrou fazer sentido disponibilizar para os usuários do AKS (Azure Kubernete Service);
-
Ela é bem mais enxuta que a grande maioria, visando ser leve e rápida e, sobretudo, ter apenas o que é essencial para suas finalidades, sem ícones e outras coisas da maioria dos sistemas operacionais. A imagem do sistema tem apenas cerca de 400Mb e contém apenas 300 pacotes essenciais ao seu uso típico;
-
Foi otimizada para uso com Hyper-V (virtualização) para cloud e edge computing;
-
Permite trabalhar com diferentes arquiteturas disponíveis no Azure (ex: ARM_64 ou X86_64);
-
Foi exaustivamente testada para funcionar com todos os pacotes e imagens disponíveis no AKS;
-
Proposta de disponibilizar pacthes de CVE’s (sigla em inglês para Common Vulnerabilities and Exposures, traduzido para Exposições e Vulnerabilidades Comuns) em até 72 horas;
-
Já alguma documentação no Microsoft Learn.
O que é Microsoft Azure?
Microsoft Azure é a plataforma de computação na nuvem da Microsoft e que atualmente permite executar variada gama de aplicações e produtos comerciais da empresa, como os jogos do Xbox, por exemplo.
Em termos práticos, o Azure é uma infraestrutura completa para o que você consegue imaginar que hoje em dia pode demandar cloud computing, como hospedagem de sites, hospedagem de apps, máquinas virtuais, redes virtuais, armazenamento de dados diversos, em um total de opções que segundo eles, contempla mais de 200 serviços.
Opta pelo Azure ou qualquer outra alternativa, como o AWS (Amazon Web Services) ou Google Cloud Platform (GCP), quem precisa de:
-
Disponibilidade, pois geralmente esses ambientes têm redundância, o que significa que quando sua aplicação é enviada para o Azure, ela é replicada para pelo menos 2 servidores de tal forma que se algum problema aconteça, ela ainda estará disponível / acessível;
-
Escalabilidade é outra característica da nuvem, o que significa dizer que é possível definir regras que alocam mais máquinas virtuais, mais processamento, mais memória de acordo com variações na demanda das aplicações, de modo automático;
-
O custo que é um aspecto que sempre preocupa, baseia-se no modelo “pay-as-you-go” e que na prática contabiliza o uso variável acima em minutos, ou seja, exatamente de acordo com o que foi gasto.
Boa parte das máquinas virtuais que existem na nuvem da Microsoft, são Linux, refletindo o cenário predominante na Web, independente da plataforma.
Sem muito alarde, o MS Azure foi anunciado em 2008 e aos poucos foi crescendo, oferecendo mais opções até se tornar um ambiente cloud completo, não só para seus clientes, mas para a própria empresa, que mudou do antigo paradigma da venda de licenças de software para instalação e uso local, para uso como serviço, como o Windows 365, Office 365 e Dynamics 365, que podem ser acessados por diversos dispositivos conectados na Internet, de qualquer lugar e a qualquer hora.
A grande vantagem da nuvem, é que as empresas não precisam fazer investimentos em infraestruturas físicas, locais e internamente à empresa, bem como tudo o que essa infraestrutura demandava, como o know-how para colocá-la operacional.
O conhecimento agora está limitado a operação / uso do serviço.
Se no passado algo desse errado, ou se as necessidades mudassem rapidamente, o que é uma possibilidade real em um mundo de rápidas mudanças, o que fazer com o que havia sido investido?
Empresas não precisam simplesmente abrir mão dos seus modelos do passado e pode-se migrar aos poucos, gradativamente, no que se chama de um modelo híbrido.
Assim, você pode ainda ter sistemas e soluções rodando nos seus servidores locais, mais consultando um banco de dados na nuvem da Azure.
Um pouco da história do “namoro” entre Microsoft e o Linux
O lançamento de uma “distro Linux by Microsoft”, é apenas o capítulo mais recente de um namoro que parece ter começado com a surpreendente declaração de Satya Nadella, no já longínquo ano de 2014.
Notícias a respeito de antes improváveis flertes entre a big tech defensora do código proprietário e do sistema operacional símbolo do código aberto, de tempos em tempos aparecem. Algumas se confirmam, enquanto outras ganham status de mero boato.
Por exemplo, desde 2018, mais precisamente no Windows 10 e a partir da versão 1607, foi introduzido o Windows Subsystem for Linux ou apenas WSL, como aparecia inicialmente e que basicamente possibilita aos desenvolvedores executar um ambiente GNU/Linux, suas linhas de comando, bem como alguns utilitários e aplicativos, diretamente no Windows.
Em outras palavras, seria quase como ter um Linux rodando a partir do Windows, sem que para isso se tivesse que recorrer a uma máquina virtual tradicional e a sobrecarga que isso representa para muitos hardwares ou então, uma instalação em dualboot.
Isso por si só representou um espanto para muita gente.
Antes porém, em 2016, resultado de uma parceria com a Canonical, empresa responsável pelo Ubuntu, a Microsoft anunciou que na atualização do Windows 10 Anniversary Update, “o shell Bash está vindo para o Windows”.
Para quem não sabe, o Bash que é um interpretador de comandos também conhecido como Shell, de tal forma que com isso, os comandos do Linux passariam rodar dentro do console do Windows 10, via CMD (do Windows).
Com o recurso, por meio de um console, os usuários teriam muitos comandos do Ubuntu e, portanto, do Linux, como awk, sed, grep, vi, entre outros. Mais ainda, alguns binários podem ser baixadas pelo usuário usando apt-get, como Ruby, Redis e emacs.
Houve quem achasse que a Microsoft tivesse comprado a Canonical. Teve quem dissesse que o Ubuntu iria terminar. A lista de especulações foi grande.
Em 2021, quase todo site e canal de tecnologia já havia noticiado que a empresa de Bill Gates já tinha sua versão do sistema operacional do Pinguim e que ela era chamada de CBL Mariner (Commom Base Linux e Mariner seria o codinome da versão).
Também em 21, chegou a versão estável do navegador web Edge para Linux e que segundo muitas avaliações, é considerado uma das melhores opções de browser para o sistema operacional, lembrando que o Edge é baseado no Chromium, um projeto também open source.
Um ano antes, em 2020, como foi no mais recente anúncio, ou seja, também na conferência Build para desenvolvedores, veio a notícia de que passaria a disponibilizar três versões diferentes do Linux (Ubuntu, Fedora e Suse) na Windows Store. Atualmente a lista é mais ampla e contempla outras distros, como a Kali Linux, a Debian e até a Oracle Linux.
Enfim, a animosidade entre dois dos principais representantes do mundo do software, parece ter morrido da mesma doença que Ballmer citou em sua desastrosa declaração.
Conclusão
O lançamento da distribuição Azure Linux pela Microsoft, mostra uma aproximação necessária e sensata dos rumos que a indústria de software vem tomando.