Tecnologia: a Tecnologia vai roubar meu emprego?
“As pessoas têm medo do futuro. Digamos de passagem, é um futuro complicado! Vai ter emprego? Não vai ter emprego? Porque ao mesmo tempo que você tem as novas técnicas de produção, a Internet, a Inteligência Artificial, os robôs e tudo isso, poupa mão de obra e concentra renda. É automação, sem dúvida. Então as pessoas têm medo. O que vai acontecer? Eu vou ter lugar na vida? Isso é um problema real! As pessoas têm que se preocupar com isso”.
Esse é um trecho da entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, à BBC News Brasil em 26 de novembro de 2019 e que revela uma pergunta que cada vez mais é feita: “A Tecnologia vai roubar meu emprego?”
Respondendo à pergunta
Depende! Essa é a única resposta possível em um primeiro momento.
Isso porque já existem vários estudos, desde o ambiente acadêmico até grandes corporações, como é o caso da consultoria McKinsey, que elaborou o estudo “Empregos perdidos, empregos conquistados: o que o futuro do trabalho significa para empregos, habilidades e salários”, no qual apresenta uma série de dados estimativos das mudanças que a tecnologia trará ao mercado de trabalho até o ano de 2030.
O estudo da McKinsey apenas confirma o que muita gente já suspeita há algum tempo e que mesmo a história já tratou de confirmar.
Ao longo de toda da trajetória humana, muitas inovações fizeram muitos trabalhos serem extintos, ou pelo menos, reduzirem significativamente a oferta de postos de trabalho.
Inclusive essa é a primeira negativa normalmente dada a quem teme que a automatização de tarefas antes restritas a humanos roube empregos.
Costuma-se dizer que isso sempre ocorreu e que se por um lado a tecnologia tem como consequência a extinção de algumas atividades, propicia o surgimento de novas.
No mesmo estudo da McKinsey, a projeção de que no mundo haverá cerca de 300 milhões de pessoas com 65 anos ou mais, em relação ao ano de 2014, sugere que essa mudança na composição etária populacional, faz surgir novas demandas decorrentes da mudança de necessidades e desejos desse público e consequentemente, também novas demandas de atividades profissionais para suprir tais mudanças
A relativização da resposta, também está associada ao quanto uma atividade pode ser automatizada.
Há algumas que estão mais suscetíveis que outras, mas em termos médios estima-se que 60% das ocupações estão sujeitas a ter um terço de automatização e apenas 5% do total podem ser completamente extintas pela total possibilidade de substituição por métodos decorrentes de diferentes e novas tecnologias.
Outra dedução do que pode vir a ser um novo mercado gerador de empregos, é o aumento da renda e do consumo, especialmente o crescimento econômico dos países emergentes e que tendem a ser mais vigorosos do que em economias mais estáveis e consolidadas.
Por fim, o próprio desenvolvimento de novas tecnologias está associado a criação de um mercado de mão de obra para trabalhar na indústria tecnológica em ascensão e da infraestrutura relacionada, assim como as tendências e os novos paradigmas, como eficiência energética e fontes renováveis de energia, preocupação ambiental, entre outros, que também devem ser responsáveis por novos postos de trabalho.
Um exemplo de mercado que cresceu enormemente nas últimas décadas e que está intimamente relacionado com a tecnologia, é o de Internet, que paradoxalmente rouba e cria novos empregos.
São empresas de diversos segmentos menores, como provedores de acesso à Internet, hospedagem de sites, data centers, agências de criação de sites, bem como profissionais independentes, como web designers, técnicos de informática, programadores e outros prestadores de serviços e indústrias que fornecem insumos diversos, como a indústria de software.
No entanto, toda a gama de novas profissões e o aumento de demanda por outras já existentes, também requer qualificação.
Que é necessária a mudança para novas atividades, é sabido e ninguém questiona. O que se pergunta, é como se dará tal migração? Como ocorrerá a qualificação dessa mão de obra?
O problema da tecnologia no mercado de trabalho
A outra face da mesma moeda e que o estudo da McKinsey e a maioria dos trabalhos voltados ao mesmo assunto não costumam abordar, pelo menos com profundidade, são os diferentes cenários – e o consequente impacto – representados por cada economia nacional.
Países mais desenvolvidos tecnologicamente têm uma composição do mercado de trabalho consideravelmente diferente de países subdesenvolvidos, sendo que nestes o nível de mão de obra não qualificada ou com baixo índice de qualificação, é maior.
Naturalmente o impacto da automatização proveniente da tecnologia, é também maior. Pode-se dizer que naqueles, o processo está mais adiantado do que nesses.
Sendo assim, um país como a China, em que boa parte da população trabalha em indústrias ou na zona rural, um processo de automatização extensivo pode acarretar um aumento significativo do desemprego se não houver políticas capazes de prover qualificação para os trabalhadores poderem ocupar os novos postos de trabalho gerados pela adoção de novas tecnologias.
Inclusive esse costuma ser o grande problema das economias menos desenvolvidas e em que há maiores desequilíbrios na distribuição de renda, a qual também vem acompanhada de problemas sociais mais evidentes.
Nestes países, um trabalhador tem maior dificuldade de acesso à capacitação profissional – e mesmo à formação básica – e se as empresas não criam mecanismos de incentivo e ações para facilitar a migração para novas áreas, simplesmente acabam entrando para as estatísticas de desemprego.
Na realidade de muitas empresas, é mais rápido e menos oneroso simplesmente dispensar e contratar um novo colaborarodor, já devidamente capacitado para as novas funções.
Quem é responsável pela solução?
Consiste de um dilema, afinal de quem é a responsabilidade por prover aprimoramento técnico e profissional àqueles que naturalmente já ocupam posições de menores exigências técnicas, por não terem tido condições e acesso à formação profissional de nível mais elevado?
Mesmo que as empresas implantem e orientem programas calcados em responsabilidade social e destinados a fornecer capacitação profissional visando suprir a carência, bastaria? E o papel do Estado nisso?
Quando se olha para a realidade nacional, fica evidente que os impactos de uma transição para um modelo de maior automatização, pode agravar ainda mais o cenário já preocupante de desemprego no país.
Segundo dados do Fórum Econômico Mundial, o Brasil ficou em uma modesta 78ª posição em termos globais e uma nada honrosa 15ª posição quando falamos de América Latina, quanto ao nível de qualificação da mão de obra, em um relatório de 2015.
Isso revela que mesmo diante de um cenário de relativamente baixa automatização, a mão de obra a disposição do mercado, apresenta baixo nível de qualificação.
O que esperar na hipótese futura, mas certa, em que haja intensificação generalizada da automação?
O país hoje – bem como outros países semelhantes – é capaz de suprir uma possível demanda por capacitação profissional, que dê condições a migração de atividade e com isso não se veja diante de um grande contingente de pessoas sem colocação profissional?
É também importante destacar que diferentemente do que foi ao longo de séculos, quando as inovações ocorriam em intervalos mais longos e em menor frequência, atualmente a velocidade e o volume de novas tecnologias, decorrentes do acúmulo de conhecimento em taxas constantemente crescentes, tem roubado postos de trabalho em uma velocidade cada vez maior e difícil de ser acompanhada.
A apropriada e necessária qualificação para acompanhar as novas demandas que a tecnologia favorece, tem a mesma velocidade do aumento do desemprego que ela causa?
Discernir sobre que conhecimentos adquirir para manter-se atualizado, bem como dispor de tempo e os recursos necessários, também é uma questão que precisa de resposta.
Por exemplo, um operário da indústria que tem colocação profissional atualmente, mas que se vê encurralado entre sua jornada de trabalho, deslocamentos de ida e vinda ao trabalho e as necessidades e ameaças que lhe são apresentadas, mas sem definição de quando e como se dará a substituição da sua oferta laboral por uma nova.
Como dispor de recursos, tempo e mesmo programas de capacitação e aprimoramento, bem como amparo privado e público, são alguns dos desafios para os quais ainda não há soluções claras e precisas.
A única certeza, é que mudar é imperativo, pois a tecnologia vem mudando tudo em proporções cada vez maiores e às vezes com impactos difíceis de serem vislumbrados.
Conclusão
A tecnologia e as consequências que ela traz consigo, representa um fator inegável da extinção de postos de trabalho, exigindo que o contingente de trabalhadores afetados qualifique-se para novas atividades profissionais que surgem também como consequência da mesma tecnologia. Porém em alguns cenários e realidades, há muitas barreiras que precisam ser transpostas sem o quê, o resultado pode ser negativo do ponto de vista social.