Português na empresa, nos negócios e profissionalmente
“Profissional de sólida formação acadêmica a nível de administração, atuando a mais de 10 anos em iminentes empresas do setor, se predispõe a encarar novos desafios e ir de encontro aos objetivos da empresa que lhe der oportunidades”.
O pequeno texto acima foi extraído de um currículo, mais especificamente da seção sob o título “Sobre mim”.
Essa é uma entre muitas possíveis situações quotidianas, nas quais é essencial o uso da norma culta da língua portuguesa, mas que no exemplo em questão, em apenas três linhas, o candidato falhou repetidamente no seu uso.
Se para você não estão tão evidentes assim os problemas no trecho acima, então recomendamos acompanhar com atenção o que preparamos para esse bate-papo.
O problema do uso corporativo do português
Embora tenhamos exagerado propositalmente no trecho hipotético que abre esse post, a realidade não é muito diferente dessa situação fictícia.
A lista de problemas no parágrafo, é extensa:
-
Preposição – em “profissional de sólida”, a preposição adequada é “com” no lugar de “de”;
-
Expressão – a expressão “a nível de” significa a mesma altura, portanto, não é aplicável ao fazer referência a uma área ou setor da empresa. Bastava substituí-la pela preposição “em”, ficando “formação acadêmica em Administração”;
-
Verbo – a dúvida em saber quando usar “a” e “há”, é muito comum. Em “atuando a mais de 10 anos”, o sentido é que faz 10 anos (também não é “fazem 10 anos”) e, portanto, o correto é “atuando há mais de 10 anos”;
-
Significado – existem palavras de grafia semelhante as quais costumam confundir as pessoas. Iminente, é o que está prestes a acontecer. Já a palavra “eminente” e que é o correto no caso, é aquilo que se destaca por sua qualidade ou importância, ou é excelente, é superior;
-
Pronome – não se começa frase usando pronome oblíquo átono. Assim, em vez de “se predispõe”, o correto é “predispõe-se”;
-
Expressão – outra expressão que causa confusão e consequentemente costuma ser usada incorretamente, é “ir de encontro”. O correto, é “ir ao encontro”. No primeiro caso, tem significado de ir em sentido contrário e, portanto, choca-se com os objetivos da empresa. No segundo, é o de ir na mesma direção, logo, caminhando na mesma direção.
Há ainda outros erros menores e que não são erros gramaticais, mas que afetam negativamente as pretensões do candidato à vaga, como “empresas do setor”. Qual setor?
Sem contar que a primeira linha inteira, é redundante, já que não acrescenta nada de novo ao conjunto de dados que normalmente compõem o currículo. As informações nela presentes, já devem constar das seções “formação” e “histórico profissional”.
Desnecessário dizer que o candidato desse currículo, não será chamado para uma entrevista.
Mas não é esse o nosso foco.
A verdade é que problemas tais como os antes mencionados, existem aos montes na comunicação corporativa e em documentos diversos. Estão presentes em memorandos, circulares, e-mails, propostas comerciais, relatórios, contratos, termos de uso de serviços, enfim, em uma ampla variedade de situações profissionais.
Para quem acredita que há um certo exagero e que nas situações do dia a dia, não ocorrem problemas como consequência de pouca preocupação com os detalhes da língua, considere o seguinte diálogo entre dois colaboradores em uma plataforma de comunicação, como o Slack, por exemplo:
Fulano: “Olá Beltrano, será que vamos estourar o prazo para entregar o relatório para a diretoria? Será que precisamos pedir um prazo maior?”.
Beltrano: “Não vamos cumprir o prazo”.
Na verdade, o que o Beltrano queria dizer, era que eles não estourariam o prazo e que ele seria cumprido e, portanto, o correto seria: “Não. Vamos cumprir o prazo”.
Ou seja, a simples negligência e a escrita seguindo a maneira como as pessoas falam, sem a pontuação indicando se tratar de duas respostas para as perguntas feitas, mudou totalmente o sentido da resposta.
Em parte, esse é um comportamento que vem se consolidando pelo hábito criado nas redes sociais, em que a economia e pressa na digitação, tornou-se um padrão.
A Internet e os muitos recursos que surgiram graças a ela, colocaram o aspecto visual em primeiro plano na comunicação. Nos sites, por exemplo, há muita preocupação com o design gráfico e o layout dos elementos das páginas, com o tratamento das imagens e o uso dos melhores ícones, a escolha da paleta de cores e o conjunto de fontes, entre outros aspectos.
Tudo isso têm recebido especial atenção por parte dos profissionais que trabalham na produção do material de comunicação das empresas, afinal justificam que são essenciais para uma melhor experiência do usuário. Isso não se questiona.
Por outro lado, a preocupação com a palavra escrita e a norma culta da língua portuguesa, não têm recebido a mesma atenção, nem o mesmo investimento. Quantos fazem a revisão do conteúdo escrito com um profissional experiente, antes da sua publicação?
A quantidade de sites que entregam muito conteúdo, mas “derrapam” no português, é imensa.
Mas há também os que não chegam a ignorar a pontuação, a acentuação, a concordância gramatical e a regência verbal, mas escrevem para robôs e não para as pessoas.
Como consequência, são textos chatos, impessoais e repletos de termos que criam mais dúvidas, do que esclarecem. E isso só contribui para que as pessoas tenham ainda menos interesse na leitura e prefiram um vídeo, quem sabe um podcast, ou algo que possa ser consumido em apenas 10 segundos.
O que é a norma culta da língua?
A norma culta da língua, é o conjunto de padrões para a correta utilização oral e escrita do idioma, com base nas regras gramaticais. Aquelas mesmas regras que aprendemos durante a escola.
Há quem defina também, que a norma culta é a forma como falam e escrevem as pessoas cultas na época atual.
No entanto, é possível escrever bem e corretamente e, portanto, baseando-se na norma culta, sem que isso signifique escrever ou falar de modo difícil ou que soe estranho para quem não está acostumado.
Note, por exemplo, que o trecho fictício que abre esse post, é supostamente formal e ainda assim falhou em seguir a norma culta.
Quando avaliamos as mais variadas situações quotidianas, é comum identificarmos a repetição de erros que podem ser evitados, sem que necessariamente pareçamos uma personagem de uma obra de Machado de Assis.
Considere a frase tão possível de ocorrer na rotina de qualquer empresa:
“Me envia o contrato do novo cliente”
Como vimos, não é correto iniciar a frase com pronome oblíquo átono (Me). Também é possível notar que o tempo verbal usado é o imperativo afirmativo e que no caso, seria “envia tu”, o que obviamente ninguém usa.
Porém, na terceira pessoa do singular, a conjugação é “envie você”, o que é mais próximo do usual, mas ainda soa estranho para muita gente.
Mas, se em vez disso escrevermos: “Envie (você, que pode ser omitido) o contrato do novo cliente para mim (no lugar do “me” inicial)”, estamos obedecendo às regras gramaticais.
Quando usar a norma culta da língua?
Quando o contexto é profissional, nos negócios, nas mais diversas situações nas empresas, a norma culta da língua deve ser usada SEMPRE!
Já vimos algumas situações, que ainda que sejam hipotéticas, não estão longe de corresponderem à realidade.
Mas há uma série de motivos importantes para justificar a resposta acima, como por exemplo:
-
Os profissionais que demonstram escrever sem erros de pontuação, com a ortografia correta, e com concordância verbal e nominal adequada, ganham pontos perante seus gestores, o que pode contribuir para as promoções. Comunicar-se com correção, é pré-requisito para os que querem crescer em suas carreiras, seja qual for a sua profissão;
-
O uso da norma culta da língua contribui para diminuir a ocorrência de ruído na comunicação e, portanto, suas diferentes consequências, como retrabalho ou talvez problemas que comprometam a qualidade no atendimento aos clientes, por exemplo. E se não fosse bastantes, ainda favorece mensagens mais coesas, objetivas e claras e todos os benefícios que isso produz;
-
Um colaborador é um representante da empresa e, portanto, é responsável por sua imagem junto aos clientes, fornecedores, parceiros. A forma como ele usa a linguagem nas mais variadas relações comerciais, é um reflexo do que é a empresa. Quanto mais elevada a posição na empresa, mais os erros podem impactar no conceito que as pessoas têm a seu respeito;
-
Da mesma forma que existem influências negativas, há também as positivas. A forma correta de usar a linguagem, é capaz de influenciar outras pessoas do círculo profissional dentro da empresa, a também serem mais cuidadosas na sua comunicação;
-
O esforço necessário para conhecer e usar bem a gramática na escrita, também melhora a capacidade de compreensão na leitura;
-
A comunicação estritamente escrita, não conta com os elementos comunicativos das situações presenciais, como o tom da voz, as expressões faciais e a linguagem corporal, razão pela qual ela deve ser tão precisa quanto possível. Lembre-se do exemplo da extensão do prazo para entregar o relatório;
-
Não há como imaginar administração eficiente sem que a comunicação também seja.
Como usar corretamente o português profissionalmente?
Uma vez que você esteja convencido da importância de ser tão cuidadoso com o português, quanto costuma ser com outros aspectos do seu trabalho, é provável que queira saber como incorporar aquele conhecimento que um dia todos tivemos acesso na escola, mas que por diferentes motivos, não se consolidaram.
Felizmente, da mesma forma que você tem a capacidade de incorporar novas funções e se adaptar a uma nova rotina, quando é promovido ou quando muda de emprego, a mudança para o uso correto da língua portuguesa, segue mecanismos semelhantes, especialmente o primeiro passo.
1. Constituindo novos hábitos
Boa parte do que fazemos e como nos comportamos, é resultado de hábitos consolidados, alguns ao longo de toda a vida. Não temos que parar para pensar em como fazer todas as vezes que uma situação se apresenta. Apenas fazemos automaticamente, porque estamos habituados, acostumados.
Escrever – e também falar – com correção deve seguir o mesmo princípio, mas para tanto, é essencial a repetição.
Nas primeiras ocasiões, tal como acontece em um novo procedimento administrativo, você terá que pensar a respeito. Mas conforme houver a repetição, em algum momento ocorrerá de forma espontânea e automática.
Ou seja, inicialmente será exigido algum esforço e disciplina da sua parte, mas com o passar do tempo, o hábito tomará lugar dos erros.
2. Desenvolva a boa leitura
Invariavelmente todo bom escritor – e orador – é também um grande leitor.
Mas não adianta ler muito sobre a cobertura esportiva do seu time de coração, ou quem sabe aqueles conteúdos leves e de consumo rápido das suas redes sociais. Geralmente usam o português mais básico possível, pois sua proposta é de alcance dos mais diferentes públicos.
É preciso dar ao cérebro boas experiências, o que significa textos bem elaborados e por quem conhece e faz bom uso da nossa língua. O contato frequente e intenso de conteúdos bem escritos, naturalmente fará com que se aprenda a forma correta, sem que se tenha que recorrer aos livros, apostilas e manuais.
A prática costuma ser a melhor maneira de aprender.
Nas situações em que houver dúvida, quando por exemplo, encontrar uma palavra cujo significado você não conhece ou não tem certeza, recorra a um dicionário. Na mesma Internet que você usa para encontrar qualquer coisa, há muitos, sem falar nos sites especializados que se propõem a ir além e esclarecer as dúvidas mais comuns.
E por falar em dicionário...
3. Acostume-se a usar o dicionário
Os bons dicionários fornecem várias informações que vão além de explicar o que significa cada verbete consultado.
Podem incluir a classe gramatical (substantivo, adjetivo, verbo, etc), os sinônimos, os antônimos e até a etimologia (origem da palavra).
São informações que podem ajudar em diferentes situações, como na ocorrência de “iminente” em nosso exemplo inicial, ou quem sabe sirva para encontrar termos mais apropriados para um importante memorando que você está elaborando.
Ao descobrir palavras novas e que podem ser incorporadas ao seu vocabulário profissional, anote-as e use-as sempre que for oportuno, para que se torne habitual, o nosso primeiro passo.
4. Acostume-se a fazer revisão
Existem erros que não são resultantes de desconhecimento, mas de pressa e/ou de não revisar o que foi escrito.
Leia com calma e quando possível, em voz alta.
Além dos possíveis erros de digitação, é na revisão que outros problemas são identificados, como concordância, regência, repetição exagerada de algumas palavras, frases sem o sentido pretendido.
Ler com atenção o que escrevemos, força-nos a pensar e analisar com algum senso crítico. É um ponto importante para promover melhorias.
Saiba que, quanto maior for o texto, maiores são as chances de problemas.
5. Recorra a ajuda profissional
Especialmente se você é um gestor e tem o poder de decisão, saiba que por constituir um problema comum a muitas empresas, há boa oferta de profissionais especializados em assessoramento nessa área – português corporativo.
Os mais experientes trabalham no formato de consultoria, ou seja, avaliam as necessidades e carências e montam um plano personalizado de treinamentos e acompanhamento dos resultados.
Mesmo quando não for o caso ou não for possível, a variedade e quantidade de bons materiais a respeito e que estão disponíveis na Web, constitui uma ajuda importante. Além dos muitos canais do YouTube nos quais você é inscrito, que tal se inscrever naquele que dá dicas práticas, fáceis e úteis, para que você deixe de assassinar o português cada vez que tiver que escrever?
Conclusão
Tanto quanto o saber acadêmico e prático são essenciais profissionalmente, também o conhecimento e uso correto da língua portuguesa, é crucial nas empresas.